INTRODUÇÃO
A realização de exames clínicos em pessoas assintomáticas com o objetivo de identificar determinada doença em fase inicial é chamada de rastreio, rastreamento ou screening. Essa prática deve sempre levar em consideração os possíveis benefícios e malefícios para a população rastreada, devendo, evidentemente, os benefícios superarem os malefícios. Muito presente na oncologia, o rastreamento é utilizado na detecção de algumas neoplasias em fase subclínica, como é o caso do rastreamento do câncer de pulmão.
EPIDEMIOLOGIA
O câncer de pulmão é o mais incidente no mundo (desde 1985) e o quinto mais incidente no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Apesar da alta incidência em território brasileiro, não existe um programa de rastreio para a neoplasia de pulmão. O INCA ressalta que, de acordo com as evidências científicas atuais, o rastreamento com tomografia com baixa dose (TCBD) em pessoas acima dos 55 anos de idade e com história de tabagismo de 30 maços-ano* pode diminuir a mortalidade por esse câncer, mas destaca que a escolha em realizar o rastreio reserva-se ao paciente devidamente assessorado por um médico de sua confiança e deve levar em consideração os benefícios, malefícios e danos que o programa de rastreio pode lhe causar.
QUANDO RASTREAR E FATORES DE RISCO
Organizações internacionais, como a United States Preventive Services Task Force (USPSTF) e a American Cancer Society (ACS) apresentam recomendações de rastreio para um público de risco para o desenvolvimento dessa neoplasia. Conforme a recomendação da USPSTF o rastreamento deve ser anual e realizado com TCBD em adultos com idades entre 50 e 80 anos que tenham uma história de tabagismo de 20 maços-ano* e atualmente fumam ou pararam de fumar nos últimos 15 anos. De acordo com essa entidade, o rastreamento deve ser interrompido assim que a pessoa não fumar por 15 anos ou desenvolver um problema de saúde que limite substancialmente a expectativa de vida ou a capacidade ou vontade de fazer uma cirurgia pulmonar curativa. A ACS recomenda o rastreio anual do câncer de pulmão com TCBD em adultos entre 55 e 74 anos de idade com história de tabagismo de 30 maços-anos que atualmente fumam ou pararam nos últimos 15 anos.
É importante ressaltar que o rastreamento é feito em uma população de alto risco para o desenvolvimento da doença, ou seja, para pessoas que apresentam fatores de risco, como idade e história familiar. No caso do câncer de pulmão o principal fator de risco é o tabagismo (em função do já conhecido efeito mutagênico dos carcinógenos do tabaco, assim como da fumaça produzida; o uso do tabaco expõe o indivíduo à uma mistura letal de mais de 4.700 substâncias químicas tóxicas, destas, pelo menos 50 são cancerígenas). Em geral, as taxas de incidência do câncer de pulmão em um determinado país, inclusive, refletem o seu consumo de cigarros; ademais, também aumentam o risco: o fumo de cigarros de palha, cigarrilhas, charutos, entre outros.
No entanto, também constituem possíveis etiologias do câncer de pulmão: a exposição à poluição do ar (a exposição crônica a partículas do ar poluído pode causar irritação dos pulmões, inflamação e reparo, processos que aumentam os riscos do desenvolvimento do câncer), infecções pulmonares de repetição, deficiência de vitamina A (este micronutriente desempenha um papel fundamental na regulação das defesas antioxidantes do organismo, assim como crescimento e diferenciação celular; diante disso, baixos níveis de retinol [vitamina A] plasmático parece estar relacionado com vários tumores epiteliais), fatores genéticos e história familiar de câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC, enfermidade causadora de uma inflamação crônica que, possivelmente, aumenta a possibilidade do desenvolvimento de câncer), idade avançada (entre 50 e 70 anos; pelo fato de que, conforme o indivíduo envelhece, ao longo da sua vida ele acaba por se expor a hábitos maléficos à saúde, alguns controláveis [como tabagismo e má alimentação], outros não [como exposição à toxinas e ao sol]; tais exposições podem culminar em mutações que levam ao desenvolvimento do câncer; além disso, outros processos biológicos do próprio organismo também podem estar envolvidos com o desenvolvimento do câncer, como a metilação do DNA, processo que interfere com a ativação de certos genes, de modo que, quando genes supressores de tumor falham, isso pode promover o crescimento tumoral), altas doses de suplementos de betacaroteno em fumantes e ex-fumantes (acredita-se que o uso desses suplementos eleve a produção de espécies reativas de oxigênio [EROs], além de aumentar a produção de enzimas do complexo do citocromo P450, o que destrói o ácido retinóico e gera uma sinalização para aumento do crescimento celular), exposição ocupacional a agentes químicos ou físicos (asbesto, sílica, urânio, cromo, agentes alquilantes, radônio entre outros; tais compostos são possivelmente carcinógenos, o que explica a sua correlação com maior incidência deste tipo de câncer) e ingestão de água potável contendo arsênico (a exposição a arsênico na água parece induzir a produção de EROs, causadores de dano ao DNA, podendo, inclusive, alterar a sua transcrição, em especial no que toca ao crescimento celular).
**A carga tabágica é calculada pelo número de cigarros fumados por dia dividido por 20 (quantidade de cigarros presentes em um maço), e o resultado é multiplicado pelo número de anos de uso de tabaco, originando um valor em função de “maços-ano”.
REFERÊNCIAS:
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IMAGENS:
1, 2 e 3. (Arquivo pessoal - Canva)
https://erj.ersjournals.com/content/48/3/889.long
https://www.cancer.org/cancer/lung-cancer/causes-risks-prevention/risk-factors.html
Autoria: Lanna Diúlia da Silva Barbosa e Pedro Resende Ferreira Rende
Revisores: Raiza Torres e Victoria Rodrigues
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