EPIDEMIOLOGIA
O câncer gástrico no Brasil tem grande morbimortalidade e maior incidência
em homens, sendo o terceiro tipo mais comum nesse público, acometendo
principalmente a faixa etária de 60-70 anos. Nas mulheres é o quinto câncer mais
comum. Quanto ao tipo, a maior incidência entre os tumores de estômago é dos
adenocarcinomas, correspondendo a 95% dos casos, 3% são linfomas e os sarcomas são
o tipo mais raro.
FATORES DE RISCO
Entre os fatores de risco para o
câncer de estômago, se destacam: gênero, idade, infecção por H. pylori,
dieta, tabagismo, anemia perniciosa, vírus Epstein-Barr (EBV), pólipos,
mutações positivas de BRCA1 e BRCA2 e síndromes hereditárias.
FISIOPATOLOGIA
Esse tipo de câncer tem um desenvolvimento lento e ocorre de acordo com
alterações pré-cancerígenas que acontecem nas mucosas estomacais, podendo,
dessa forma, se originar em diferentes partes do órgão. Logo, a fisiopatologia
tem relação com o tipo de câncer que acomete o estômago, seja ele um adenocarcinoma,
um linfoma ou um tumor estromal gastrointestinal (GIST). O Atlas do Genoma do
Câncer dividiu os subtipos moleculares desse câncer em quatro classificações. São
elas:
* Tumores positivos para EBV
(9%): mais comuns em homens e em tumores de corpo e fundo; hiperexpressam
PD-L1/2;
* Tumores com instabilidade
microssatélite (22%): mais comuns em mulheres, apresentam estado de
hipermutação;
* Tumores com estabilidade
genômica (20%): mais comuns no subtipo difuso com mutação em CDH1;
* Tumores com instabilidade
cromossômica (50%): mais comuns em tumores de JEG e subtipo intestinal.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Em seu estágio inicial, o câncer
de estômago é, na maioria das vezes, assintomático. Com o passar do tempo,
quando se torna mais grave, o indivíduo acometido pela neoplasia pode
apresentar falta de apetite, perda de peso, dor abdominal, sensação de
plenitude, hematoquezia, azia, indigestão, vômitos, ascite e anemia. Por ser
inicialmente assintomático, é extremamente importante realizar os exames que
facilitam o diagnóstico de acordo com a indicação médica.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do câncer gástrico
é feito através da endoscopia digestiva alta (EDA), podendo ser indicada em
pacientes com sintomatologia característica, que inclui perda ponderal, anemia,
disfagia, vômitos recorrentes e história familiar de câncer gástrico. A EDA, ao
mesmo tempo que permite a visualização do estômago e esôfago, também possibilita
a coleta de materiais (biópsias, escovado e citologia do lavado gástrico), que,
juntos, constituem o padrão ouro para diagnóstico de câncer gástrico. Para
facilitar o diagnóstico, deve-se obter, no caso de úlceras, no mínimo, sete
biópsias, preferencialmente da porção periférica da úlcera (já que, no centro
encontra-se, basicamente, material necrótico).
ESTADIAMENTO
O estadiamento é o processo que
se segue ao diagnóstico e é fundamental para se obter informações sobre o
prognóstico, extensão da doença e curso do tratamento mais apropriado, além de
orientar o paciente e sua família.
Tal estadiamento segue o chamado
sistema TNM (tumor-nódulo-metástase) desenvolvido pela American Joint Cancer Comission, que se baseia na profundidade do
tumor (T), número de nódulos envolvidos (N; devendo ser avaliados, no mínimo,
15 linfonodos para um estadiamento mais acurado) e a presença ou não de
metástase. Não há avaliação do grau histológico para definição do estágio da
neoplasia (ao contrário de outras neoplasias, como a de esôfago).
Imagem 1. TNM Classificação de Carcinoma do
estômago
Fonte: SABISTON, 2015, P. 2953
O estadiamento clínico ou
pré-operatório inclui exame físico de nódulos (em especial os linfonodos
supraclaviculares esquerdos), assim como exame do abdome e reto (para
identificação da prateleira de Blumer, uma tumoração no fundo do saco
identificada pelo toque retal).
Além disso, pode-se fazer uso de
uma série de exames, como tomografia computadorizada, ressonância magnética,
endoscopia, ultrassom endoscópico (USE), tomografia por emissão de pósitrons
(PET) e videolaparoscopia.
ENDOSCOPIA E ULTRASSOM ENDOSCÓPICO
A endoscopia é fundamental para o
diagnóstico do câncer gástrico, tendo em vista que ela permite a visualização
do tumor, além de fornecer material para o diagnóstico histopatológico e, pode,
ainda, orientar e/ou tratar pacientes com obstrução ou sangramento. No que diz
respeito ao estadiamento, a endoscopia apresenta elevada sensibilidade para o
estudo da parede gástrica, em especial no que diz respeito à infiltração
(estadiamento T, com cerca de 85% de sensibilidade), além de avaliar os linfonodos
perigástricos com precisão e estabelece se existe ou não invasão de estruturas
adjacentes. Pode ser usada, também, para guiar a biópsia de linfonodos
suspeitos, ajudando no estadiamento N (sensibilidade de 80%). O ultrassom
endoscópico é realizado nos indivíduos que não apresentam evidência de doença
metastática.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA (TC)
A tomografia computadorizada de
tórax e de abdome avalia, com alguma precisão, a doença metastática para fígado
e pulmão (estadiamento M, com sensibilidade de 90%), porém é falha na detecção
de invasão regional e acometimento do peritônio (sensibilidade de 50 a 70%) e
também não é a melhor modalidade para estadiamento T e N. Além disso, a TC pode
ser utilizada no acompanhamento da terapia neoadjuvante, mas a sua principal
função está na avaliação da doença metastática.
TOMOGRAFIA POR EMISSÃO DE PÓSITRONS (PET)
A tomografia por emissão de
pósitrons (PET) auxilia, em exames de corpo inteiro, na detecção de metástases
à distância ainda não evidenciadas. No entanto, não é considerada uma
modalidade primária do estadiamento para o câncer gástrico, pois até a metade
dos carcinomas gástricos são PET captadores, o que faz com que um exame
negativo não apresente grande importância. Mesmo assim, a PET é recomendada
como estadiamento pré-operatório em pacientes com tumores de alto risco e em
pacientes com múltiplas comorbidades, sendo útil a realização em pacientes com
T2N0; evidentemente, o achado de envolvimento metastático à distância
contraindica a cirurgia curativa.
VIDEOLAPAROSCOPIA
Apesar de ser mais invasiva que
TC e USE, a videolaparoscopia consiste em um método com elevada sensibilidade
(cerca de 95%) para detecção de doença metastática, sendo possível a
visualização da superfície hepática, peritoneal e de linfonodos locais (além da
biópsia de qualquer lesão suspeita). Ademais, esta modalidade se mostra
fundamental, em especial, na detecção da chamada doença metastática oculta
(indivíduos em que a TC não mostrou metástase [ou não mostrou doença
irressecável], mas que são expostos com a videolaparoscopia), o que evita, por
exemplo, a realização desnecessária de laparotomias em pacientes.
TRATAMENTO
O tratamento do adenocarcinoma
gástrico é, essencialmente, cirúrgico, podendo ser antecedido pelo tratamento
neoadjuvante ou seguido por um tratamento adjuvante (discutido posteriormente);
deve-se notar ainda que, em casos mais graves, nem sequer se recomenda a
ressecção cirúrgica.
Nos pacientes com doença não
metastática e câncer localizado, a ressecção completa do tumor gástrico com uma
ampla margem livre (pelo menos 6 cm) de lesão (e linfadenectomia) permanece o
padrão de cuidado para a ressecção com intenção curativa. Além do tratamento
curativo, a cirurgia também pode ser empregada na terapia paliativa. Assim, a
maioria dos pacientes com adenocarcinoma gástrico deve ser submetido à
ressecção do estômago (exceto em pacientes com risco cirúrgico proibitivo e
aqueles com doença metastática disseminada). A técnica padrão é a laparotomia,
muito embora técnicas minimamente invasivas, como a laparoscopia e ressecção
endoscópica completa para tumores iniciais também tem provado eficácia no
tratamento.
Para o caso dos tumores
proximais, do fundo e cárdia do estômago, em geral encontram-se em estado mais
avançado e as ressecções curativas são mais raras (as lesões proximais são mais
agressivas e têm um prognóstico pior quando comparadas com as lesões distais).
O procedimento de escolha é a gastrectomia total com reconstrução em Y de Roux
(também chamado de esofagojejunostomia em Y), em que o segmento inicial do
estômago é ligado ao próprio intestino, e o segmento restante, formado por
estômago, duodeno e início de intestino delgado é unido lateralmente ao próprio
intestino, formando um Y.
No que diz respeito aos tumores
distais, do antro e corpo gástricos, a operação clássica é a gastrectomia
radical subtotal, em que são retirados cerca de 75% do estômago distal
(incluindo piloro e 2 cm do duodeno), o omento maior e menor e todo o tecido
linfático associado. A reconstrução do trânsito é feita, em geral, por
gastrojejunostomia a Billroth II (resulta em menor risco de obstrução da saída
gástrica secundária à recidiva tumoral), geralmente, com alça aferente longa e
entero-entero anastomose. Nesse procedimento, tem-se a remoção do antro e parte
do corpo seguido pela junção da grande curvatura com a primeira parte do
jejuno.
Imagem 2. Gastrectomia parcial e
reconstrução Imagem 3. Gastrectomia total
com reconstrução
Fonte: UPTODATE Fonte: UPTODATE
Deve-se fazer, também, a
linfadenectomia, que é o procedimento de ressecção dos linfonodos próximos do
tumor; de acordo com a sua localização são conhecidos como de nível 1
(perigástricos; encontram-se até 3 cm do tumor), nível 2 (extragástricos;
encontram-se de 3 a 5 cm do tumor) e nível 3 (paraaórticos, incluindo
linfonodos do hilo hepático e mesocólon). Diante disso, dá-se o nome de
ressecção D1 aquela linfadenectomia durante a ressecção gástrica que é
realizada até o nível 1, aquela que é realizada até o nível 2 é chamada de D2,
e aquela que é realizada até o nível 3 como D3. Existe uma polêmica em torno da
realização de D1 ou D2, enquanto nos EUA a mais comum é a D1, no Brasil a D2 é
a mais realizada.
Nos pacientes que apresentam
câncer gástrico precoce (envolve mucosa e submucosa, independente do
acometimento linfonodal; corresponde a cerca de 40 a 60% dos casos), a terapia
de primeira linha é a gastrectomia com linfadenectomia a D2 (com sobrevida em
cinco anos superior a 85%). No entanto, nos últimos anos, tem-se avançado no
que diz respeito ao uso da endoscopia digestiva, cujos indicativos (para evitar
ressecção incompleta por conta do tamanho do tumor ou metástases linfonodais
não reconhecidas) incluem tumor limitado à mucosa, não ulcerado, tipo
histológico bem diferenciado (intestinal) e menores de 2 cm de diâmetro (tipo I
ou IIa) ou menores de 1 cm (tipo IIb ou IIc) sem linfadenopatia associada.
Recentemente, tem-se observado, ainda que a gastrectomia aberta e a
gastrectomia laparoscópica assistida tem pré-operatório semelhante tanto de
morbidade como mortalidade, porém aqueles do grupo laparoscópico tem menor
tempo para início de alimentação oral e alta do hospital mais precoce.
Já nos casos mais graves, nos
pacientes em que se observa câncer gástrico irressecável ou metastático faz-se
tratamento paliativo, com o intuito de melhorar a sobrevida e controle dos
sintomas da doença avançada. Estes indivíduos representam quase 50% dos
pacientes com a doença e tem média de apenas três a cinco meses de sobrevida;
são condições que fazem com que esses tumores sejam irressecáveis: a presença
de metástases distantes, invasão de uma estrutura vascular grande (como a
aorta) ou encapsulamento da doença, oclusão da artéria hepática ou do eixo
celíaco/artéria esplênica proximal. Apesar de existirem indivíduos
assintomáticos nesta fase, um subgrupo significativo de pacientes com câncer
gástrico irressecável apresenta sintomas debilitantes e devem ser considerados
para terapia cirúrgica, mesmo no contexto de doença metastática (pode melhorar
sintomas como dor, náusea, sangramento persistente ou obstrução). Ademais, a
quimioterapia pode melhorar a sobrevida em pacientes com tumor irressecável, em
geral realizada através de uma terapia tripla. Alguns pacientes que apresentam
doença irressecável podem, inclusive, responder a quimioterapia ou radioterapia
a ponto de poderem ser submetidos a uma cirurgia potencialmente curativa.
O tratamento adjuvante consiste
na administração de radioterapia associada à quimioterapia no caso dos
indivíduos submetidos à ressecção curativa com tumor T3, T4 ou linfonodo
positivo. Supõe-se que tal processo beneficie o paciente na medida em que
promove a remoção da doença residual na cadeia nodal perigástrica através da
irradiação quimioterápica. Com a introdução deste método, observou-se melhora
quanto à recidiva, metástases à distância e sobrevida geral quando comparado a
indivíduos que fizeram cirurgia sem complementação.
Já o tratamento neoadjuvante,
também chamado de abordagem alternativa, consiste na quimioterapia pré- e
pós-operatória em que faz-se três ciclos antes e três depois da cirurgia, sem
radioterapia. Este método parece reduzir a massa tumoral, facilitando a
ressecção durante a cirurgia.
REFERÊNCIAS
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MANSFIELD, P. F. Clinical features, diagnosis, and staging
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TOWNSEND, C. M. et al. Sabiston Tratado de Cirurgia. 19. ed.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. 5311 p.
Autoria: Pedro Resende e Rafaella Carmo
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