E se um dia, fosse revelado a você que tudo que em que acredita, tudo que o rodeia é, na verdade, uma “mentira”? Como a sua realidade, o mundo ao seu redor ou, até mesmo, uma conduta médica?
Guarde essa ideia. Vamos falar sobre o rastreio do câncer de próstata:
1. INTRODUÇÃO
É sabido que houve um aumento
significativo de pessoas com mais de 60 anos de idade no Brasil, seguindo o
movimento de envelhecimento global. Dados do IBGE sugerem que em 2050 a
população idosa será de cerca de 66,5 milhões. Nessa faixa etária os
acometimentos de saúde aumentam expressivamente, dentre as morbidades, o câncer
de próstata configura como a segunda neoplasia mais comum em homens (atrás
apenas do câncer pele não-melanoma) e
que tem seu pico de casos
ocorrendo a partir dos 65 anos (KRUGE, 2018; INCA 2021).
O câncer de próstata vem aumentando sua incidência com o envelhecimento populacional e sensibilidade dos exames. Vale ressaltar que, em função do comportamento, predominantemente indolente desse tipo de câncer e o expressivo sobrediagnóstico, as taxas de mortalidade são menores que as de incidência (INCA, 2021; SANAR, 2021).
2. A
PRÓSTATA
A próstata é uma glândula pequena, com uma forma de maçã e
se localiza na parte baixa
do abdômen, logo abaixo da bexiga, na frente do reto e envolve a uretra (porção inicial). A glândula
produz o líquido prostático que tem um pH básico que é importante no processo
de alcalinização vaginal e, além disso confere o aspecto leitoso do sêmen, que
é produzido em conjunto com a vesícula seminal e os testículos
(KRUGE, 2018; INCA 2021; OLIVEIRA, 2019; SANAR, 2021;
SARRIS, 2018).
Sua divisão anatômica é de extrema importância para descrever a localização do câncer de próstata, sendo assim temos:
●
A parte glandular(zonas
periférica e central), que representa
cerca de dois terços da próstata.
●
A parte fibromuscular, que é
o outro terço, é composta por zona muscular anterior, zona de transição e
glândulas periuretrais.
Dados indicam que aproximadamente 60% a 70% dos tumores de
próstata ocorrem na zona periférica, 10% a 20% ocorrem na zona de transição e somente
5% a 10% dos tumores têm origem na zona central (SANAR, 2021).
3. FATORES DE RISCO
Os fatores de risco são “itens” que aumentam os riscos de ter determinado agravo. No entanto, ter fatores de risco não significa que obrigatoriamente que a neoplasia se desenvolverá. No caso do Câncer de próstata, podemos citar:
● Idade: Indivíduos mais
velhos têm maiores chances de desenvolver (acima de 50 anos);
● Etnia: Negros demonstram, nos estudos,
maiores taxas de incidências, mesmo não sendo um dado totalmente
respaldado, algumas diretrizes têm recomendado
condutas de rastreamento especiais;
● Histórico Familiar: Pai
ou irmão com câncer de próstata antes dos 60 anos podem refletir tanto fatores
hereditários quanto relacionados aos hábitos alimentares ou estilo de vida de
risco de algumas famílias;
● Fatores Hormonais: A quantidade de hormônios
andrógenos (testosterona) tem relação com o surgimento desta neoplasia,
principalmente em relação ao envolvimento com a reformulação celular
prostática, porém ainda há controvérsias.
● Obesidade: O efeito da
gordura corporal, avaliada pelo IMC, circunferência da cintura e relação
cintura-quadril,
estão relacionados a pior prognóstico;
● Exposição ambiental: Aminas aromáticas - Substâncias comuns nas indústrias química, mecânica e de transformação de alumínio; além de produtos extraídos do petróleo estão associadas ao câncer de próstata.
Além desses, há outros possíveis fatores de risco que ainda estão sendo estudados, incluindo doenças metabólicas, drogas e fatores dietéticos, bem como fatores ocupacionais e ambientais, porém, em geral, as evidências ainda não são conclusivas (INCA, 2021; SANAR, 2021; QUIJADA, 2017; KRUGE, 2018; CZORNY, 2017; SARRIS, 2018).
4. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Na grande maioria das vezes, o câncer de próstata evolui de forma silenciosa, podendo não apresentar sinais e sintomas em sua fase inicial. No entanto, as manifestações clínicas mais comuns nas fases iniciais (quando ocorrem), incluem:
● Dificuldade de urinar;
● Demora em iniciar ou
finalizar o jato urinário;
● Diminuição do jato
urinário;
● Necessidade de urinar mais vezes durante o dia ou à noite;
Já nas fases mais
avançada, pode provocar:
● Hematúria;
● Disfunção erétil;
● Perda de peso;
● Fraqueza ou dor por
compressão da medula espinhal;
● Dor por fraturas
patológicas;
● Fadiga;
● Infecção generalizada ou insuficiência renal.
Mas cuidado, esses sinais e sintomas podem estar associados a doenças benignas da próstata, por isso é de suma importância a avaliação médica para diagnóstico diferencial (INCA, 2021; SANAR, 2021; MAIA, 2012).
5. CAMPANHA NOVEMBRO AZUL NO BRASIL
Todos os anos, ajudando
a completar o arco-íris de cores no combate ao câncer, a mídia e entidades civis,
se mobilizam para incentivar o rastreio do câncer de próstata, especialmente
pelo fator do preconceito atrelado ao exame de toque retal.
Definindo-se rastreio como o conjunto de testes a serem
feitos em uma população aparentemente saudável para se descobrir uma doença
(nesse caso o câncer de próstata) em estágio precoce, podemos dizer que essas
campanhas devem ser intensificadas, buscando-se assim cada vez mais rastrear e
tratar pessoas enfermas, correto?
Bom, e se eu disser que essa não é a realidade científica atual?
6. RASTREAMENTO DO CÂNCER DE PRÓSTATA- A HORA DA VERDADE
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, lançada pelo Ministério da Saúde objetivou facilitar e ampliar o acesso da população masculina aos serviços de saúde, em resposta à observação de doenças que acometem essa população e que figuram como sendo um problema de saúde pública. A detecção precoce do câncer de próstata tem sido exaustivamente estudado, uma vez que alguns estudos demonstram um desequilíbrio entre os possíveis riscos e benefícios na realização de exames para o rastreamento desse câncer (INCA, 2021; OLIVEIRA, 2019).
No rastreamento do
câncer de próstata da Política de saúde supramencionada são utilizados dois
exames: o exame digital da próstata e a dosagem do PSA. Porém, ambos os métodos
apresentam limitações relacionadas à sensibilidade, especificidade e ao baixo
valor preditivo positivo.
INCA, 2019.
Ambos possuem limitações
pois podem ocorrer variações e/ou alterações na presença de doenças benignas
da próstata como por exemplo, hipertrofia prostática benigna e prostatite. A
exemplo do exame de toque retal, embora seja utilizado tradicionalmente para
rastrear o câncer de próstata, não há estudo que tenha demonstrado efeito sobre a mortalidade isoladamente, uma vez que o
exame possibilita a palpação somente das porções posterior e lateral da
próstata, deixando 40% a 50% dos tumores fora do alcance da avaliação médica.
Já o PSA é um marcador órgão-específico e não “câncer específico”, ou seja,
pode sofrer interferências por outros problemas de saúde, conforme exposto
(INCA, 2021; OLIVEIRA, 2019).
Vale ressaltar que ,no
ano de 2012, o rastreio de câncer de próstata foi um assunto bastante comentado
após órgão americano (USPSTF – United States Preventive Service Task Force)
publicar estudos que não indicavam o
rastreio por não haver comprovação na redução de mortalidade e com isso a
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e o Instituto Nacional
do Câncer acataram a publicação e recomendaram a não realização do toque retal
e do PSA em pacientes sem sintomas.
Após duras críticas, a USPSTF,
embora reconhecam que existam potenciais benefícios do rastreamento do câncer
txqde próstata, os mesmos não superam os danos esperados o suficiente para
recomendar a triagem de rotina. Dito isso, a entidade atualizou suas
recomendações anteriores para o rastreio, e indicou que os homens entre 55 e 69
anos
que estejam interessados em
triagem debatam com seus médicos sobre possíveis benefícios e danos do
rastreamento antes da realização dos exames. A entidade se posicionou contra a
triagem baseada em PSA para homens com 70 anos ou mais (PEBMED, 2019).
Nessa linha, o INCA,
mediante norma técnica de 2013, não recomenda o rastreamento do câncer de
próstata para pacientes sem atenuantes como sintomatologia e fatores de risco.
Naturalmente, caso o paciente ainda assim busque o rastreio, deve ser informado
pelo médico que não há evidência
científica de que haja mais benefícios (redução da mortalidade) do que
riscos(falsos positivos, infecções, sobretratamento).
No entanto, isso não
quer dizer que os exames devem ser descartados de forma indiscriminada, alguns
critérios devem ser adotados, como exames de rotina após os 45-50 anos, para
homens com:
○ Alto risco para câncer de próstata (negros ou com
familiares com câncer de próstata antes dos 65 anos);
○ Sintomas;
○ Desejo pessoal de realizar o exame (mesmo depois de elucidação médica). Vale ressaltar que depois dos 75 anos, os riscos tornam-se muito pequenos (desde que já realizado algum acompanhamento prévio), além disso, mesmo que haja o surgimento do câncer o paciente, muito provavelmente, morrerá de outra causa.
Portfólio do INCA demonstra a baixa relação benefício x malefício do rastreio do câncer de próstata:
7. CONCLUSÃO
Atualmente, aproximadamente 20% dos
homens com câncer de próstata são diagnosticados em estágios avançados. Ocorreu
um declínio importante nas últimas décadas que está relacionado,
principalmente, à formulação de políticas de rastreamento desta doença. Porém,
ainda há divergência entre as diretrizes no que tange às recomendações sobre
fornecer ou não um exame de rotina.
Dessa
forma, concluímos, que o rastreio do câncer de próstata é um assunto
cientificamente delicado e de discussão extremamente pertinente e atual.
Salientamos que esse fato não diminui a importância do Novembro Azul, apenas
expõe a necessidade de mais clareza e maior viés científico nas campanhas, para
que assim atinjam precisamente aqueles que devem ser alvo do rastreio do câncer
de próstata.
REFERÊNCIAS:
Instituto
Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Detecção precoce do câncer /
Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. – Rio de Janeiro :
INCA, 2021.
ACESSO
EM 31 DE JULHO DE 2021, DISPONÍVEL EM: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-prostata
ACESSO
EM 31 DE JULHO DE 2021, DISPONÍVEL EM: https://drive.google.com/viewerng/viewer?url=https://sanar-courses-platform-files.s3.sa-east-1.amazonaws.com/CADEPRSTATA-200810-134847-1597933154.pdf?pid%3Dexplorer&efh=false&a=v&chrome=false
CZORNY,
Nunes Rildo César. FATORES DE RISCO PARA O CÂNCER DE PRÓSTATA: POPULAÇÃO DE UMA
UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE. Cogitare Enferm. (22)4: e51823, 2017
SARRIS,
Andrey Biff. SARRIS1CÂNCER DE PRÓSTATA: UMA BREVE REVISÃO ATUALIZADA. Visão
Acadêmica, Curitiba, v.19 n.1, Jan. - Mar./2018 - ISSN 1518-8361
QUIJADA,
Patrícia Daniela dos Santos. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes
com câncer de próstata. Rev Cuid 2017; 8(3): 1826-38
KRUGER, Francine Paz
Gehres. Câncer de Próstata no Brasil: Revisão Integrativa
Revista Brasileira de
Cancerologia 2018; 64(4)
MAIA, Luiz Faustino dos
Santos. Câncer de próstata: preconceitos, masculinidade e a qualidade de
vida.São Paulo: Revista Recien. 2012; 2(6):16-20
OLIVEIRA, Pâmela
Scarlatt Durães. Câncer de próstata: conhecimentos e interferências na promoção
e prevenção da doença. Enfermería Global Nº 54 Abril 2019 Página 262
Comentários
Postar um comentário