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CÂNCER DE TIREOIDE


 1. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

A tireoide é a maior glândula endócrina do corpo humano, sendo constituída por dois lobos (esquerdo e direito), que são interligados pelo istmo. Esta glândula está situada na porção anterior do pescoço, onde se relaciona anteriormente com o segundo e terceiro anéis traqueais. As funções da tireóide estão associadas aos hormônios produzidos por ela, que incluem os hormônios tireoidianos (triiodotironina [T3] e tetraiodotironina [T4], que estão associados à velocidade do metabolismo corporal, atuando em quase todas as estruturas corporais) e a calcitonina (que participa do metabolismo do cálcio, promovendo a redução da calcemia através da inibição dos osteoclastos e subsequente inibição da reabsorção de tecido ósseo).

Externamente à cápsula tireoidiana, na face posterior da tireoide, é possível encontrar as glândulas paratireoides, pequenas estruturas ovais e achatadas, que, em geral, se localizam nos polos superiores e inferiores da tireóide (embora possam haver variações em de indivíduo para indivíduo). Tais estruturas são responsáveis pela produção do paratormônio (PTH), cuja função é a de aumentar a calcemia (isto é, a concentração de cálcio no sangue), o que é obtido através da sua ação nos osteoblastos (que produzem um fator estimulante de osteoclastos que aumenta o número e atividade dessas células, promovendo a reabsorção da matriz óssea calcificada e a liberação de cálcio na corrente sanguínea).


Imagem 1. Anatomia normal da tireoide: visão anterior (A) e posterior (B)

Fonte: Smart Servier Medical Art (adaptado)


Histologicamente, a tireoide é composta por milhares estruturas esferoidais (podendo o seu aspecto variar), denominadas de folículos tireoidianos; a parede destas é formada pelos tirócitos (também chamados de células foliculares ou células principais), células responsáveis pela síntese dos hormônios T3 e T4, que são armazenadas no colóide, substância gelatinosa encontrada na cavidade destes folículos. Também estão presentes na estrutura da tireóide as células parafoliculares (também denominadas de célula C ou células claras), que formam grupos isolados entre os folículos tireoidianos, e estão relacionadas com a produção da calcitonina (hormônio relacionado com redução da calcemia, conforme explicado acima).


Imagem 2. Histologia da tireoide (normal)

Fonte: Histology@Yale


O câncer de tireoide é o mais comum na cabeça e pescoço, afetando três vezes mais mulheres do que homens. No mundo, trata-se do quinto tumor mais comum, com alto percentual de cura quando diagnosticado precocemente (95%). Dentre os fatores de risco para o desenvolvimento desta neoplasia estão idade avançada, história familiar, dieta pobre em iodo e exposição à radiação ionizante.


2. FISIOPATOLOGIA

O câncer de tireoide pode ser classificado em diferentes tipos. Os carcinomas derivados do epitélio folicular da tireoide podem ser divididos em diferenciados (apresentam melhor prognóstico), que incluem o papilífero (85%), o folicular (12%) e o de células de Hurthle, e em indiferenciados (ou anaplásicos; compreendem < 3% dos casos e apresentam pior prognóstico). Outras doenças malignas da tireoide incluem o carcinoma medular da tireoide (3 a 10%) e o linfoma primário da tireoide.

Nas neoplasias malignas derivadas das células foliculares, observam-se alterações genéticas nas vias de sinalização do receptor do fator de crescimento (incluindo o receptor tirosina-cinase, cuja ativação aciona a RAS, assim como dois braços de sinalização da cadeia que envolvem a cinase de MAP [MAPK] e a PI-3-cinase [PI3K]), onde mutações de ganho de função levam à ativação permanente desta via, culminando em uma proliferação celular excessiva e aumento da sobrevivência das células.


CARCINOMA PAPILÍFERO

O carcinoma papilífero é o tumor maligno mais comum da tireoide, compreendendo cerca de 85% dos casos e apresenta excelente prognóstico. É mais comumente encontrado em indivíduos do sexo feminino, sendo os pacientes típicos desta afecção mulheres entre 20 a 40 anos, embora também possa ser identificado em crianças. Ademais, trata-se do câncer de tireóide com maior associação à exposição à radiação. Consiste em um tumor que apresenta lento crescimento e cuja disseminação ocorre por via linfática, de modo que é comum a invasão de linfonodos regionais, porém a presença de metástases à distância é rara. A maior parte dos carcinomas papilíferos apresentam mutações de ganho de função que envolvem os genes que codificam os receptores de tirosina-cinases RET (através de uma inversão paracêntrica do cromossomo 10 ou translocação recíproca entre os cromossomos 10 e 17, são formados genes de fusão RET/PTC, cujos rearranjos geram genes que que codificam proteínas de fusão com atividade contínua da tirosina-cinase) ou NTRK1 (da mesma forma como no RET/PTC, inversões paracêntricas ou translocações do gene NTRK1 produzem genes de fusão NTRK1 continuamente ativas) ou na serina/treonina-cinase BRAF (que codifica um componente que participa da sinalização da via de MAPK).


CARCINOMA FOLICULAR

É o segundo tipo mais comum de câncer de tireoide, e, assim como o carcinoma papilífero, também acomete com maior frequência o sexo feminino, sendo o paciente típico desta enfermidade mulheres com idade superior a 40 anos. Trata-se do câncer de tireoide mais associado à deficiência de iodo, e apresenta disseminação, em geral, hematogênica, o que culmina no aparecimento de metástases à distância. Nesses carcinomas, em geral, tem-se uma associação de mutações adquiridas que ativam RAS ou o braço de PI-3K/AKT da via de sinalização do receptor de tirosina-cinase.


CARCINOMA DE CÉLULAS DE HURTHLE

As células de Hurthle (também chamadas de oncócitos) são derivadas do epitélio folicular, sendo caracterizadas como células de grande tamanho, além de citoplasma granular e eosinofílico. Nesse sentido, denota-se que o carcinoma de células de Hurthle é considerado uma variedade menos diferenciada e mais agressiva do carcinoma de células foliculares. Em geral, este tumor aparece em indivíduos que apresentam idade mais avançada, sendo incomum em crianças; tal carcinoma, algumas vezes, se apresenta como  bilateral e múltiplo, e se metastatiza com frequência para linfonodos regionais.


CARCINOMA INDIFERENCIADO (OU ANAPLÁSICO)

Trata-se de um tumor raro, de crescimento rápido, mais comum em idosos e com incidência aumentada em áreas deficientes em iodo. Apresenta disseminação linfática e hematogênica, assim como invasão local. Em geral, já se manifesta com a invasão de estruturas locais, o que impossibilita cirurgia curativa. Esses tumores podem surgir pela “desdiferenciação” de um carcinoma papilífero ou folicular bem diferenciado. Diante disso, as alterações moleculares observadas incluem aquelas vistas em carcinomas bem diferenciados (como mutações em RAS ou em PIK3CA). No entanto, também podem estar presentes alterações restritas aos tumores anaplásicos, como a inativação de TP53 ou mutações ativadoras da beta-catenina, que podem contribuir com o comportamento agressivo deste carcinoma.


CARCINOMA MEDULAR DA TIREOIDE

Em se tratando do carcinoma medular da tireoide, este tem origem nas células parafoliculares ou células C (produtoras de calcitonina). Trata-se de um câncer, em geral unilateral, que é mais comumente encontrado em indivíduos com idade compreendendo 50 a 60 anos. Aproximadamente 20% dos casos são familiares, sendo identificados nas síndromes de neoplasia endócrina múltipla (NEM) tipos 2A e 2B; nestes casos, o câncer é bilateral e multicêntrico. Cabe ressaltar que, em até 30% dos casos, pode ocorrer diarreia como resultado da maior secreção jejunal de água e eletrólitos induzida pela calcitonina. Em geral, os carcinomas medulares da tireoide associados a NEM, estão relacionados a mutações na linhagem germinativa de RET que culminam na ativação permanente deste receptor.


LINFOMA PRIMÁRIO DA TIREOIDE

Os linfomas da tireoide são tumores raros, sendo na maioria não Hodgkin (com destaque para o linfoma B de grandes células, que é o mais comum). São mais comuns em mulheres na faixa dos 70 anos. 


3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Os nódulos tireoidianos são extremamente comuns e nem sempre indicam presença de tumor maligno. No entanto, a presença de um nódulo tireoidiano em indivíduos que apresentam fatores de risco (como história de irradiação prévia do pescoço ou história familiar de câncer de tireoide) deve ser considerada suspeita. Ademais, também podem ser indicações de malignidade: (1) nódulos que demonstram crescimento rápido; (2) nódulo tireoidiano associado a linfonodomegalia cervical (gânglios linfáticos aumentados no pescoço) e/ou rouquidão. Em certos casos em que a doença já se encontra em um estágio mais avançado, além da rouquidão, podem estar presentes sintomas compressivos da região, incluindo dispneia e disfagia.


4. DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do câncer de tireoide leva em consideração a história clínica e exame físico, com destaque para o fato de que, muitas vezes, tumorações de dimensões pequenas não exibem sintomas. Em geral, o diagnóstico é feito após a realização de ultrassonografia do pescoço, onde encontra-se um nódulo, cujas características são confirmadas através da punção aspirativa por agulha fina (PAAF). No caso de o câncer ser confirmado, o paciente deve ser encaminhado ao cirurgião para o tratamento.

Nódulos tireoidianos podem ser causados por uma série de condições, tendo atenção clínica quando são notados pelo paciente, durante exame físico de rotina ou quando percebido incidentalmente durante um procedimento radiológico. A partir da detecção do nódulo, a avaliação inicial de todos os pacientes incluem: (1) uma história detalhada e exame físico (a presença de uma massa fixa, sintomas obstrutivos, linfadenopatia cervical, por exemplo, podem falar a favor de malignidade); (2) aferição do hormônio tireoestimulante (TSH; permite a avaliação da função tireóidea, onde uma maior concentração predispõe à malignidade); e, (3) realização de uma ultrassonografia  (com o objetivo de confirmar a nodularidade, avaliar as características ultrassonográficas, assim como a presença de nódulos adicionais e linfadenopatias).

Com base no nível de TSH e achados ultrassonográficos, faz-se uma avaliação subsequente. Nesta, um nível sérico reduzido de TSH demanda a realização de uma cintilografia da tireoide, com o objetivo de avaliar o status funcional do nódulo. Nos casos em que o TSH encontra-se elevado ou normal, associado a critérios ultrassonográficos, o próximo passo é a realização de uma PAAF guiada por ultrassom. Nesse tocante, destaca-se que a PAAF é indicada, independente do tamanho do nódulo, caso estejam presentes as seguintes características ultrassonográficas suspeitas: (1) extensão extratireoidiana; (2) localização subcapsular adjacente ao nervo laríngeo recorrente ou traquéia; (3) extrusão através das calcificações da borda; e, (4) associação com linfonodos cervicais anormais na ultrassonografia. Ademais, a PAAF deve ser realizada em nódulos com tamanho superior a 1 cm no caso destes serem sólidos e hipoecoicos com uma ou mais das seguintes características suspeitas ultrassonográficas: (1) margens irregulares; (2) microcalcificações; (3) aspecto “mais alto do que largo”; e, (4) calcificações na borda com extrusão de tecido mole.

Com o objetivo de padronizar (e facilitar) a forma de como os nódulos tireoidianos são reportados, foi desenvolvida a TI-RADS (Thyroid Imaging Reporting and Data System), que se utiliza de 5 características ultrassonográficas (composição, ecogenecidade, formato, margem e foco ecogênico), sendo atribuída 0 a 3 pontos para cada uma delas. O número total dos pontos determina o seu nível de risco, variando de TR1 (benigno) a TR5 (altamente suspeito). Além disso, o valor de TR pode auxiliar no manejo do nódulo, seja ele a realização de uma PAAF, exame ultrassonográfico de acompanhamento, ou ainda, nenhuma ação.


Imagens 3 e 4. Esquema da classificação TI-RADS para nódulos tireoidianos

Fonte: ROSS, 2020 (adaptado)


Posterior ao PAAF, o material é enviado para análise citopatológica. Com o intuito de padronizar tal avaliação, foi desenvolvido um sistema único, denominado de Sistema de Bethesda, que prevê categorias diagnósticas pré-estabelecidas (com base nos achados citopatológicos), onde cada um dos resultados indica um diferente manejo e apresenta um risco distinto para presença de câncer.


Imagens 5. Categorias diagnósticas do sistema Bethesda para relatar citopatologia de tireoide

Fonte: ROSS, 2020 (adaptado)



5. ESTADIAMENTO

O estadiamento clínicopatológico nos pacientes com câncer é fundamental pois permite: (1) estimar o risco de recorrência e mortalidade específica para um paciente individual; (2) possibilitar uma tomada de decisão direcionada a um determinado paciente (incluindo medidas referentes à terapia adjunta no pós-operatório) conforme o risco de recorrência e mortalidade deste; (3) tomada de decisões relativa à frequência, modalidade e intensidade do acompanhamento posterior à cirurgia (também com base no risco individual do paciente para recorrência e mortalidade); e, (4) a avaliação de diferentes estratégias terapêuticas.

Em se tratando do câncer de tireoide diferenciado, a mortalidade específica da doença pode ser avaliada através da aplicação do sistema TNM (tumor, nódulo e metástase) ou do MACIS (sigla em inglês para metástase, idade, completude de ressecção, invasão e tamanho). Posteriormente, aplica-se, ainda, um sistema de estadiamento clinicopatológico adicional, a exemplo do desenvolvido pela Associação Americana de Tireoide (ATA), cujo objetivo é estimar o risco de recorrência. Após os estadiamentos iniciais supracitados, é importante que seja feita, também, uma abordagem de risco dinâmica, que possibilita uma avaliação de risco mais precisa do que as estimativas estáticas ofertadas pelo sistema TNM ou ATA.


SISTEMA TNM

O sistema TNM tem como objetivo predizer a sobrevida dos pacientes com câncer de tireoide, o que se dá através dos achados patológicos do pré-operatório, intraoperatório e durante os 4 primeiros meses após cirurgia da tireoide. 


Imagem 3. Estadiamento do carcinoma diferenciado e anaplásico de tireoide

Fonte: TUTTLE, 2019 (adaptado)


SISTEMA MACIS

Em se tratando do sistema MACIS, leva-se em consideração a presença de metástase, idade, completude de ressecção do tumor, invasão e tamanho para gerar um valor que indica a probabilidade daquele indivíduo vir a óbito nos próximos 20 anos. Para o cálculo deste valor, segue-se os seguintes critérios:


  • Soma-se 3,1 caso o pacientes apresente menos de 40 anos;

  • Soma-se o produto da idade com 0,08, caso o paciente apresente mais de 40 anos;

  • Soma-se o produto do tamanho do tumor (em cm) com 0,3;

  • Soma-se 1 se o tumor for incompletamente ressecado;

  • Soma-se 1 se o tumor for localmente invasivo;

  • Soma-se 3 se o tumor apresentar metástases distantes.


No caso do carcinoma papilífero de tireoide, segue-se uma tabela com os intervalos referentes ao valor de MACIS e a probabilidade de vir a óbito nos próximos 20 anos.


Imagem 3. Valor de MACIS

Fonte: TUTTLE, 2019 (adaptado)


SISTEMA DA ATA

A estratificação de risco elaborada pela Associação Americana de Tireoide (American Thyroid Association; ATA) prediz a recorrência dos pacientes (classificando o risco em baixo, intermediário e alto) com base em características clinicopatológicas específicas. São considerados pacientes de baixo risco de recorrência aqueles cujo câncer é do tipo papilífero e está confinado à tireoide. Já os indivíduos com risco intermediário são aqueles em que é possível observar a presença de metástases regionais, extensão extratireoidiana ou invasão vascular. Por fim, o alto risco de recorrência ocorre nos pacientes que apresentam extensão extratireoidiana grosseira ou metástases distantes.


ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO DINÂMICA

Enquanto os demais sistemas de estadiamento inicial são utilizados para guiar a terapêutica inicial, assim como decisões diagnósticas, percebe-se que o risco inicial pode sofrer alterações conforme novas informações surgem ao longo do acompanhamento do paciente. Por isso, os pacientes devem ser reestratificados em todas as consultas por um sistema de reclassificação que enfatiza a resposta à terapia para cada paciente individual.

Logo, para cada consulta de acompanhamento, os pacientes são classificados em “resposta excelente”, “resposta bioquímica incompleta”, “resposta estrutural incompleta” e “resposta indeterminada”. Chama-se de resposta excelente o indivíduo que não tem evidência clínica, bioquímica e estrutural da doença. Já a resposta bioquímica incompleta diz respeito ao indivíduo que apresenta valor de Tg (tireoglobulina) anormal ou de anticorpos Tg (anti-Tg) aumentados na ausência de doença localizável. A resposta estrutural incompleta, por outro lado, ocorre em metástases locorregionais ou distantes, sendo elas persistentes ou recentemente identificadas. Por fim, a resposta indeterminada consiste em um paciente que apresenta nível de anti-Tg estável ou em decréscimo sem evidência estrutural definitiva de doença.

Deve-se notar que a definição precisa de resposta excelente e resposta bioquímica incompleta depende do tamanho da terapia inicial. Portanto, espera-se diferentes valores de Tg para diferentes procedimentos.


6. TRATAMENTO

São objetivos do tratamento do câncer de tireoide: (1) a remoção do tumor primário e dos linfonodos cervicais envolvidos; (2) minimizar o tratamento relacionado à morbidade; (3) estadiar a doença com precisão; (4) facilitar a radioiodoterapia no pós-operatório (se necessária); (5) permitir a vigilância correta e de longo prazo; e, (6) minimizar o risco de recorrência ou metástases. No caso dos cânceres de tireoide diferenciados (grupo que inclui os cânceres do tipo papilífero e folicular, que compreendem a grande maioria), o tratamento primário é a ablação cirúrgica.

No entanto, antes do procedimento, é importante que seja feita a realização de uma ultrassonografia pré-operatória para avaliação dos linfonodos dos compartimentos central e lateral em todos os pacientes que apresentam achados malignos na aspiração por agulha fina. Outras modalidades alternativas incluem a ressonância magnética e tomografia computadorizada com contraste, laringoscopia e endoscopia, que podem ser necessárias em pacientes com doença local mais avançada com o intuito de definir, de forma acurada, a extensão do envolvimento traqueal, linfonodal, esofagiano, laringiano ou vascular. Tais métodos adicionais de imagem devem ser utilizados em pacientes com linfadenopatia metastática clinicamente palpável ou com sinais e sintomas de doença localmente invasiva (como disfagia, hemoptise, crescimento tumoral rápido, alterações na voz, entre outros).


TIPOS DE TIROIDECTOMIA

Existem duas abordagens possíveis para o câncer de tireoide diferenciado, que incluem a tiroidectomia total (ou quase total) e a lobectomia unilateral com istmectomia; nesse sentido, deve-se observar que a tireoidectomia subtotal não é adequada no caso de câncer de tireoide. A tiroidectomia total envolve a remoção de todo o tecido da tireoide, onde procura-se preservar o nervo laríngeo recorrente, o nervo laríngeo superior e os vasos responsáveis pelo suprimento vascular das glândulas paratireoides. A tireoidectomia quase total, por outro lado, é praticamente idêntica, exceto pelo fato de que é feita uma abordagem mais conservadora, de modo que se preserva a cápsula posterior da tireóide do lobo contralateral do tumor. Já a lobectomia unilateral e istmectomia envolvem a remoção de um lobo completo, assim como do istmo, sem adentrar no lobo contralateral.

A escolha do procedimento varia de acordo com a extensão da doença (isto é, tamanho do tumor, presença de extensão extratireoidiana ou metástases linfonodais), idade do paciente e presença de comorbidades. Para tumores com tamanho inferior a 1 cm, sem extensão extratireoidiana e sem acometimento linfonodal, opta-se pela lobectomia, exceto se houverem indicações claras de remoção do lobo contralateral (como câncer evidente no lobo contralateral, histórico pregresso de radiação na cabeça e pescoço, forte histórico familiar de câncer de tireoide, entre outros). No caso de tumores cuja dimensão compreende de 1 a 4 cm sem extensão tireoidiana ou acometimento linfonodal, o procedimento cirúrgico inicial de escolha pode ser uma tiroidectomia total ou uma lobectomia; a tiroidectomia total poderia ser escolhida no casos em que se tem anormalidades no lobo contralateral identificados por ultrassonografia (como a presença de nódulos). Já nos tumores que apresentam dimensões superiores a 4 cm, extensão extratireoidiana ou metástases, recomenda-se a tiroidectomia total; este procedimento é indicado, também, nos casos em que os indivíduos têm histórico de radiação no pescoço e cabeça durante a infância (independente do tamanho do tumor, pois há alta taxa de recorrência do tumor nestes pacientes).

Observa-se, entretanto, que mesmo que inicialmente tenha-se optado pela realização de uma lobectomia, a presença de achados intraoperatórios, como a identificação de linfonodos metastáticos ou a invasão de estruturas adjacentes, pode fazer com que o procedimento a ser realizado seja uma tireoidectomia total.


COMPLICAÇÕES

As principais complicações das tireoidectomias estão associadas à lesão acidental do nervo laríngeo recorrente e do nervo laríngeo superior, além da remoção das paratireóides ou do seu suprimento arterial. É de suma importância que o cirurgião identifique e preserve os nervos laríngeo recorrente e laríngeo superior, uma vez que a lesão unilateral do nervo laríngeo recorrente resulta em rouquidão, embora também possa ocorrer afonia temporária ou distúrbio da fonação e espasmo laríngeo; a lesão bilateral deste nervo, por outro lado, pode levar à insuficiência respiratória aguda, assim como paresia ou paralisia da corda vocal verdadeira para uma posição paramediana ou lateral. A lesão do nervo laríngeo superior, por outro lado, faz com que o indivíduo tenha dificuldade na elevação do tom de voz.

Outras estruturas cuja identificação e preservação que se fazem fundamentais são as paratireoides, assim como os seus respectivos suprimentos arteriais (que é feito, em geral, pela artéria tireóidea inferior). O comprometimento destes vasos é a causa mais comum de hipoparatireoidismo pós-operatório (complicação mais frequente após tireoidectomia total, sendo transiente em até 20% dos pacientes, com hipoparatireoidismo permanente em 0,8% a 3% dos casos). Conforme citado anteriormente, as paratireoides são responsáveis pela produção do paratormônio, cuja função é promover o aumento da concentração de cálcio na corrente sanguínea. A remoção destas estruturas, portanto, culmina no aparecimento de um estado hipocalcêmico, cuja principal manifestação é a tetania, quadro caracterizado por irritabilidade neuromuscular, que pode se manifestar desde parestesia nas mãos e pés a até convulsões focais ou generalizadas.


MANEJO NO PÓS-OPERATÓRIO

O manejo no pós-operatório inclui tratamento com terapia supressora de hormônio tireoidiano na maioria dos pacientes e, radioiodo no caso de pacientes com alto risco (além de alguns pacientes com risco intermediário). Em se tratando da supressão hormonal tireoidiana, após a tiroidectomia, independente da administração de terapia de radioiodo, é necessário que seja feita a administração de T4 (levotiroxina) na maioria dos pacientes com o objetivo de evitar o desenvolvimento de hipotireoidismo, além de impedir a estimulação do TSH no crescimento tumoral. Evidentemente, a abordagem inicial de supressão dos hormônios tireoidianos é baseada no risco de recorrência da doença, devendo o TSH se manter mais baixo naqueles pacientes com maior risco/risco intermediário. Os níveis alvo do TSH a longo prazo são baseados nas respostas a avaliações de terapia adicionais modificado por comorbidades que aumentam os riscos potenciais de supressão do TSH prolongada (como menopausa, taquicardia, osteopenia, idade avançada, osteoporose e fibrilação atrial).

Já no que diz respeito ao tratamento com radioiodo, este é administrado em pacientes com cânceres diferenciados para ablação remanescente do tecido normal da tireoide, além de atuar como terapia adjuvante à doença subclínica micrometastática e/ou prover tratamento de câncer de tireoide metastático clinicamente aparente ou residual. A decisão de se usar radioiodo depende do risco de recorrência/persistência da doença. Por isso, em geral, o tratamento com radioiodo é administrado em pacientes com alto risco e em pacientes intermediários selecionados a depender de certas características tumorais (como metástases linfonodais clinicamente relevantes fora do leito da tireoide ou outras características de alto risco).


7. REFERÊNCIAS


BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Câncer de tireoide. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-tireoide>. Acesso em 16 jan. 2022.

HOFF, P. M. G. Tratado de Oncologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2013. 2893 p. 

KUMAR, V. et al. Robbins & Cotran PATOLOGIA: Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 1480 p.

M. E. D - 2019. Cirurgia: Oncologia 2. Rio de Janeiro: Editora Mederi. 2019. 351 p.

MOORE, K. L; DALLEY, A. F.; AGUR, A. M. R. Moore Anatomia Orientada para a Clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. 1307 p.

PANTALEÃO, P. Nova diretriz para câncer de tireoide: o que mudou? [parte 1]. PEBMED. 2019. Disponível em: <https://pebmed.com.br/nova-diretriz-de-para-cancer-de-tireoide-o-que-mudou-parte-1/>. Acesso em 16 ago. 2021.

PIRES, A. T.; MUSTAFÁ, A. M. M.; MAGALHÃES, M. O. G. TI-RADS-ACR 2017: ensaio iconográfico. Radiologia Brasileira, v. 55, n. 1, p. 47-53. 2020.

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8. AUTORES E REVISORES

PEDRO RESENDE FERREIRA RENDE

Acadêmico do 7º Semestre

Diretor de Comunicação

  Revisores: João Victor Matos Barbosa e Vanessa Pires Ramalho

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