As
Neoplasias Endócrinas Múltiplas (MEN, do inglês Multiple Endocrine Neoplasia) podem ser definidas como:
[...] síndromes hereditárias raras caracterizadas pela coocorrência, no
mesmo indivíduo ou em indivíduos da mesma família, de múltiplos tumores
endócrinos; esses tumores geralmente secretam hormônios detectáveis que dão
origem a síndromes clínicas distintas. (AL-SALAMEH; BAUDRY; COHEN, 2018).
Subdivide-se
em MEN tipo 1 (MEN-1) e MEN tipo 2
(MEN-2), descritas pela primeira vez por Wermer em 1954 e Sipple em 1961,
respectivamente (HOFF, et al., 2013). Mais recentemente foi descrito a MEN tipo
4 (MEN-4), com fenótipo semelhante ao da MEN-1, mas originada por mutação em um
gene diferente, além de estar associada com tumores de adrenal, rins e órgãos
reprodutivos. A classificação leva em consideração o gene mutado e os tumores
que ocorrem em cada categoria. (QUIDUTE, et al., 2016).
A confirmação diagnóstica da MEN
consiste na seguinte tríade: presença de duas ou mais neoplasias
características da MEN-1 ou MEN-2, história familiar de MEN e identificação de
mutações causadoras das síndromes (ARNOLD, et al., 2017; LIPS e BALL,
2010; QUIDUTE, et al., 2016).
NEOPLASIA ENDÓCRINA MÚLTIPLA TIPO 1 (MEN-1)
É
uma síndrome clínica autossômica dominante, causada por mutações no gene MEN1, de origem hereditária ou
esporádica, caracterizada pela ocorrência de diferentes tipos de tumores
endócrinos e não endócrinos. A presença de MEN 1 é estabelecida quando existe
acometimento de pelo menos duas das três glândulas: paratireóide, hipófise
anterior e duodeno-pâncreas endócrino. A MEN-1 é determinada familiar quando
outro membro da família, além do caso-índice, é identificado com tumor em pelo menos
uma das glândulas citadas. A síndrome também pode ser descrita através da
identificação de uma mutação germinal MEN1
(HOFF, et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016).
Casos
de MEN-1 são raros e apresentam prevalência de 1/30.000. Pode ocorrer em todas
as faixas etárias, homens e mulheres são afetados igualmente, mas as
manifestações clínicas têm início entre a terceira e a quinta década de vida.
Em relação à prevalência dos tumores que estão associados à MEN-1,
aproximadamente 95% dos pacientes apresentam hiperparatireoidismo primário
(HPTP), 30-80% neoplasias das células enteropancreáticas e 15-30% adenomas da
hipófise anterior (QUIDUTE, et al., 2016).
Tumores
nas paratireoides, que levam ao desenvolvimento de hiperparatireoidismo
primário, são a manifestação mais comum. O HPTP é considerado um constituinte
fundamental da MEN-1, apresenta quase 100% de penetrância em pacientes na
quinta década de vida. Por isso, é indicado que após a identificação do
hiperparatireoidismo seja verificado se ele está acompanhado de outras
endocrinopatias. Apesar de estar presente na maioria dos casos de MEN-1, o HPTP
pode se apresentar de forma oligo ou assintomática, contribuindo para que 80%
das vezes a motivação para procurar assistência médica seja por conta das
manifestações clínicas dos tumores hipofisários, das ilhotas pancreáticas ou
tumores carcinóides (QUIDUTE, et al., 2016).
Os
pacientes com HPTP podem se apresentar assintomáticos ou com sintomas
inespecíficos como depressão, polidipsia, constipação intestinal, poliúria e
mal-estar, que estão relacionados à hipercalcemia. Além de nefrolitíase e
osteíte fibrosa cística. O tratamento dessa condição na MEN-1 é
preferencialmente cirúrgico, que envolve a paratireoidectomia subtotal ou a
paratireoidectomia total com autotransplante de tecido paratireoidiano no
antebraço (QUIDUTE, et al., 2016).
O
único tumor hipofisário ainda não descrito na MEN-1 é o tumor secretor de hormônio luteinizante.
Enquanto que os tumores não funcionantes e os prolactinomas são os mais
prevalentes (HOFF, et al., 2013). Não existem diferenças em relação aos
sintomas dos tumores hipofisários associados à MEN-1 e os de ocorrência
esporádica. No entanto, na MEN-1 eles surgem mais cedo e existe maior
incidência de macroadenomas, além de serem menos responsivos ao tratamento
convencional. Em relação ao tratamento, não existe diferença na conduta
terapêutica dos tumores hipofisários relacionados à MEN-1 e esporádicos (HOFF,
et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016).
Os
gastrinomas são os tumores neuroendócrinos pancreáticos (pNETs) mais frequentes
na MEN-1. Surgem 10 vezes mais cedo na síndrome, quando comparados aos tumores
esporádicos. Na maioria das vezes são múltiplos, pequenos, submucosos e
intraduodenais. Tem grande potencial maligno (50% dos casos), que é mais
prevalente em tumores maiores, no entanto, tumores pequenos também podem causar
metástase. Os gastrinomas duodenais causam metástases em linfonodos regionais,
enquanto os pancreáticos, que são raros e com maior potencial maligno, causam
metástases hepáticas (HOFF, et al., 2013).
Dor
abdominal alta, úlceras pépticas únicas ou múltiplas, refluxo gastroesofágico e
diarreia são alguns dos sintomas que estão relacionados à síndrome de
Zollinger-Ellison (SZE) - principal complicação dos gastrinomas, caracterizada
pelo aumento da secreção de gastrina e ácido clorídrico (QUIDUTE, et al.,
2016).
O
tratamento dos gastrinomas pode ser medicamentoso (bloqueadores de bomba de
prótons) ou cirúrgico. Também pode ser utilizado tratamento quimioterápico,
terapia com radionuclídeos ligados a diferentes análogos de somatostatina entre
outros (HOFF, et al., 2013).
Os
insulinomas são o segundo TNEP mais frequente. São malignos em apenas 10% dos
casos. Geralmente, são benignos e múltiplos - mas um único tumor pode ser
responsável pelas manifestações clínicas. O tratamento mais utilizado é a
cirurgia, sendo mais complexa na MEN-1 do que nos casos esporádicos (HOFF, et
al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016).
Os
tumores neuroendócrinos pancreáticos não funcionantes têm elevada prevalência e
estão relacionados ao aumento da morbidade e na mortalidade relacionada à
MEN-1. Já foi descrita uma relação entre o tamanho do tumor e o potencial
maligno. Nesse sentido, a conduta mais indicada é o tratamento cirúrgico para
os tumores com mais de 2 cm e para lesões com menos de 2cm, mas que apresentam
crescimento rápido (sendo necessário acompanhamento com ultrassonografia
endoscópica).
NEOPLASIA ENDÓCRINA TIPO 2 (MEN-2)
Afetando
1 em cada 30.000 mil pessoas, a mutação responsável por causar a MEN 2 ocorre
no proto-oncogene RET que origina um receptor tirosina quinase de mesmo nome,
responsável pela diferenciação e pelo crescimento de tecidos nervosos e
neuroendócrinos em desenvolvimento. A MEN-2 classifica-se em MEN-2A, MEN-2B e
Carcinoma Medular de Tireóide Familiar (CMTF). Os fatores que determinam qual
das variantes o indivíduo apresentará são o tipo de mutação e o local no gene
onde ocorreu a mutação (HOFF, et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016).
A
MEN-2A é a forma mais comum, representa 70-80% dos casos, e divide-se em 2A
Clássica, MEN-2A com Líquen Amiloidótico Cutâneo e MEN-2A com Doença de
Hirschsprung. As patologias características da MEN-2A clássica são o Carcinoma
Medular da Tireóide (CMT), Feocromocitoma e Hiperparatireoidismo Primário. Em
contraste, a MEN-2B (5% dos casos) é a apresentação mais rara da MEN-2. As
patologias que compõem essa síndrome são uma forma extremamente agressiva e de
apresentação precoce do CMT, feocromocitoma e um fenótipo característico da
MEN-2B. O CMTF representa 10-20% dos
casos de MEN-2 e possui como única manifestação clínica o CMT (HOFF, et al.,
2013; QUIDUTE, et al).
Um
ponto comum entre os subtipos da MEN-2 (MEN-2A, MEN-2B e CMTF) é apresentar o
Carcinoma Medular da Tireóide (CMT) como manifestação clínica. Entretanto, a
distinção entre essas três classificações pode ser feita através de testes
genéticos e da manifestação de outras patologias ou características físicas
distintas (HOFF, et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016).
O
CMT acomete entre 95-100% das pessoas com MEN-2 (HOFF, et al., 2013).
Origina-se das células parafoliculares da tireóide chamadas de células C
(QUIDUTE, et al., 2016). O tumor costuma ser multicêntrico, bilateral e pode
estar associado à hiperplasia das células C. A maior parte dos indivíduos com
CMT são assintomáticos. A presença de sinais e sintomas está associada a
extensão da doença, ou seja, sinais e sintomas restritos à localização da
tireóide, como rouquidão e disfagia que refletem a compressão de estruturas
adjacentes, indicam uma doença
localizada, no entanto, sinais e sintomas mais sistêmicos, como diarreia,
indicam doença em estágio avançado. Linfonodomegalia cervical costuma estar
presente nos casos clinicamente aparentes (HOFF, et al., 2013). O exame
diagnóstico do CMT é a punção aspirativa por agulha fina (PAAF) do nódulo
tireoidiano (HOFF, et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016), caso a citologia seja
sugestiva de CMT, deve-se solicitar dosagens séricas de calcitonina e antígeno
carcinoembrionário (CEA) (QUIDUTE, et al., 2016). O tratamento consiste,
principalmente, na retirada cirúrgica do tumor mas, em casos de metástases a
distância a radioterapia com intuito paliativo pode ser realizada. Recentes estudos
têm demonstrado que drogas inibidoras dos receptores tirosina quinase
apresentam bons resultados no tratamento do CMT metastático (HOFF, et al.,
2013; QUIDUTE, et al., 2016).
A
detecção precoce e o tratamento são fundamentais para a prevenção e cura do
CMT, dessa forma, diante da confirmação de mutação no proto-oncogene RET,
indica-se a realização de tireoidectomia total (TT) profilática, com objetivo
de impedir o aparecimento do CMT (HOFF, et al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016). A
definição da idade para realização da TT profilática baseia-se na agressividade
da mutação. Assim, quanto mais agressiva for a mutação mais precocemente a TT
deve ser realizada (HOFF, et al., 2013).
O
feocromocitoma deriva das células de cromafins das glândulas adrenais. Apresenta
como manifestações clínicas típicas cefaleia, sudorese, palpitação, hipertensão
(secundária), ansiedade e perda de peso. Entretanto, esses sinais e sintomas só
estão presentes em pessoas diagnosticadas tardiamente. O diagnóstico é feito
através da dosagem, na urina ou no plasma, dos hormônios produzidos pelo tumor,
como catecolaminas, entre outras substâncias. Exames de imagem, como tomografia
computadorizada e ressonância magnética, podem ser utilizados para localizar o
tumor. O tratamento baseia-se no preparo pré-operatório com alfa e
betabloqueadores, para controlar a hipertensão secundária, seguido de
adrenalectomia (HOFF, et al., 2013). Em caso de apresentação unilateral, não
recomenda-se a retirada profilática da adrenal contralateral devido ao risco de
desenvolvimento de uma crise addisoniana após adrenalectomia bilateral,
ocasionada pela repentina falha na produção de cortisol e aldosterona (HOFF, et
al., 2013; QUIDUTE, et al., 2016). O feocromocitoma em pessoas com MEN-2A ou
MEN-2B costuma surgir depois ou simultaneamente ao diagnóstico de CMT, nesse
último caso o feocromocitoma deve ser tratado primariamente (QUIDUTE, et al.,
2016).
O
hiperparatireoidismo primário associado a MEN-2 costuma ser mais brando e menos
recidivante do que aquele associado à MEN-1.
Os indivíduos costumam ser assintomáticos ou apresentar hipercalcemia
leve (HOFF, et al., 2013).
O Líquen
Amiloidótico Cutâneo (LAC) ocorre raramente e, geralmente, de forma esporádica.
Apresenta-se na forma de lesões dermatológicas, mais comumente no dorso e na
região escapular, acompanhadas de prurido intenso. Cremes e loções hidratantes,
corticoides tópicos, anti-histamínicos sistêmicos e fototerapia melhoram
parcialmente o prurido. O surgimento do LAC em idade jovem e antes do diagnóstico
do CMT pode indicar a síndrome (QUIDUTE, et al., 2016)
A Doença
de Hirschsprung (DH) está presente em 7% dos pacientes com MEN-2A e se
caracteriza pela ausência congênita ou má formação dos plexos entéricos
(Meissner e Auerbach), o que traz prejuízos, principalmente, a motilidade,
secreção e absorção gastrointestinal. Costuma afetar o intestino grosso em seus
segmentos mais distais. Possui como manifestações clínicas distensão abdominal
que ocorre logo após o nascimento, com presença de vômitos e retardo de mais de
48 horas na passagem do mecônio, sem fator mecânico obstrutivo conhecido.
Apesar de possuir apresentação precoce, em adultos com sintomatologia
compatível com DH, que tenham MEN-2A e mutações no éxon 10 é importante excluir
essa patologia das suspeitas diagnósticas. O tratamento é cirúrgico e se resume
na retirada do segmento desnervado, seguida da reconstrução do trânsito
intestinal (QUIDUTE, et al., 2016; SANTOS JÚNIOR, 2002)
Além do
feocromocitoma e do CMT, indivíduos com MEN-2B podem desenvolver um fenótipo
caracterizado por hábito marfanóide, anormalidades oculares, manifestações
musculoesqueléticas e ganglioneuromatose difusa, envolvendo todo o trato
gastrintestinal. A maior parte dos
pacientes apresentam sintomas gastrintestinais, como dor abdominal, constipação
intestinal, alternando com diarreia, distensão e megacólon (QUIDUTE, et al., 2016).
AUTORA:
Lanna Barbosa
Estudante
de medicina do 6º semestre da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) - UFBA.
Atual presidente da Liga Acadêmica de Oncologia da FMB-UFBA.
REFERÊNCIAS:
AL-SALAMEH, Abdallah; BAUDRY, Camille; COHEN, Régis.
Update on multiple endocrine neoplasia Type 1 and 2. La Presse
Médicale, v. 47, n. 9, p. 722-731, 2018.
ARNOLD, Andrew; DREZNER, M. K.; MULDER, J. E. Multiple
endocrine neoplasia type 1: Clinical manifestations and diagnosis. Obtenido
el, v. 10, p. 1-150, 2017. Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/multiple-endocrine-neoplasia-type-1-clinical-manifestations-and-diagnosis>.
Acesso em: 09 de ago. de 2021.
HOFF, Ana
Oliveira; JUNIOR, Delmar Muniz Lourenço; TOLEDO, Rodrigo de Almeida; TOLEDO,
Sergio P.A. Neoplasias Endócrinas Múltiplas. in: HOFF, Paulo Marcelo Gehm
(ed.). Tratado de Oncologia. 1 ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2013. p.
2239-2254.
LIPS,
Cornelis J; BALL, Douglas W. Clinical manifestations and diagnosis of multiple
endocrine neoplasia type 2. 2010.Disponível em: <https://www.uptodate.com/contents/clinical-manifestations-and-diagnosis-of-multiple-endocrine-neoplasia-type-2>.
Acesso em: 09 de ago. de 2021.
QUIDUTE,
Ana Rosa; SOUZA, Michele Renata; INGRAM, Catherine J.E.; MARTINS, Cecília.
Neoplasias Endócrinas Múltiplas. in: Vilar, Lúcio(ed.). Endocrinologia Clínica. 6
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
SANTOS
JÚNIOR, Júlio César M. Megacólon parte 1: Doença de Hirschsprung. Rev. bras.
colo-proctol, p. 14-14, 2002. Disponível em: <https://www.sbcp.org.br/revista/nbr223/P196_209.htm>.
Acesso em 25 de jul de 2021.
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