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SÍNDROME DA LISE TUMORAL

 


INTRODUÇÃO 

A Síndrome da Lise Tumoral (SLT) é caracterizada pela destruição maciça de células malignas e consequente liberação do seu conteúdo no espaço extracelular. Embora possa ocorrer de modo espontâneo, a SLT aparece, em geral, logo após o início do tratamento com agentes quimioterápicos citotóxicos. Uma vez liberados, estes metabólitos podem subjugar os mecanismos homeostáticos resultando em distúrbios metabólicos. Estas alterações biológicas podem levar à ocorrência de diversas manifestações clínicas, incluindo lesão renal aguda, convulsões e morte súbita, que podem requerer cuidados intensivos.1

EPIDEMIOLOGIA 

De acordo com o tipo de neoplasia e terapia utilizada, a incidência da SLT é variável, tendo uma mortalidade entre 29-45% em média.  A síndrome de lise tumoral tem sido relatada com neoplasias que raramente apresentavam estas complicações, como o câncer de endométrio, carcinoma hepatocelular e leucemia mieloide crônica. A síndrome de lise tumoral pode ocorrer em até 40% dos pacientes com linfoma de alto grau em quimioterapia.2

FISIOPATOLOGIA

O que ocorre na patogenia é uma lise rápida das células tumorais, onde essas células liberam conteúdos, como íons intracelulares diretamente na circulação sanguínea, dessa forma, o sistema renal, não tem tempo suficiente para excretar esses conteúdos. Consequentemente, surge uma alteração metabólica, acarretando em hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia secundária, hiperuricemia, além de alterações renais e cardíacas.3

Níveis altos de íons fosfatos e ácido úrico acarretaram deposição nos túbulos renais, provocando injúria renal aguda. Caso essa deposição migre para o tecido cardíaco, o indivíduo apresentará arritmias.3

Imagem 1: Fisiopatologia da Síndrome da Lise Tumoral.


MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 

As manifestações clínicas relacionadas à SLT são um reflexo das anormalidades metabólicas e ocorrem, com mais frequência, 48h a 72h após o início do tratamento do câncer. Os sintomas relacionados são: 

·         Hipocalcemia: tetania, parestesias, espasmos musculares, confusão, alucinações, convulsões, arritmias, síncope, edema, letargia, insuficiência cardíaca. 

·         Hipercalemia: fraqueza, cãibra, parestesias, paralisia, arritmias graves, síncope, morte súbita. 

·         Hiperuricemia: náuseas, vômitos, diarreia, anorexia, sintomas urêmicos. 

·         Sinais e sintomas urinários: disúria, hematúria, dor. 

A deposição aguda de ácido úrico ou fosfato de cálcio não costuma causar sintomas referentes ao trato urinário, embora a dor no flanco possa ocorrer se houver formação de pedra pélvica ou uretral renal. É clássico o aparecimento de, na análise de urina, cristais de ácido úrico ou uratos amorfos em uma urina ácida (imagem 2), mas é relativamente normal devido aos néfrons obstruídos.4



Imagem 2: Os cristais são pleomórficos, na maioria das vezes aparecendo como placas rômbicas ou rosetas. São amarelos ou avermelhado-marrom e formam-se apenas em uma urina ácida (pH 5,5 ou menos).

DIAGNÓSTICO

Para diagnóstico da SLT é preciso a realização de exames complementares que avaliem: função renal, ácido úrico, cálcio, fósforo, ácido úrico, potássio, diurese. Além disso, o diagnóstico terá como base a classificação de Cairo-Bishop. Essa classificação é formada pelo quadro laboratorial e clínico do paciente.5 Assim, temos:

·         SLT laboratorial:
Hiperuricemia: >=8 mg/dL ou aumento de 25% do valor basal.
Hipocalcemia: <= 7 mg/dL ou redução de 25% do valor basal.
Hipercalemia: >= 6 mg/dL ou aumento de 25% do valor basal.
Hiperfosfatemia: >= 4.5 mg/dL ou aumento de 25% do valor basal.

·         SLT clínica:
Presença de SLT laboratorial associada a algum quadro clínico, como: lesão renal aguda, arritmia aguda, morte súbita e convulsões.

 As chances de ocorrer a SLT irá depender, principalmente, de quatro fatores: 

·         Agressividade da doença; 

·         Volume tumoral; 

·         Efetividade do tratamento citotóxico e volume total; 

·         Medidas profiláticas tomadas; 

TRATAMENTO

Para manejo clínico da Síndrome da Lise Tumoral é preciso avaliar uma classificação que se baseia na carga tumoral e sensibilidade da neoplasia ao tratamento oncológico:

·         Carga tumoral pequena: risco desprezível de SLT;

·         Carga tumoral moderada, neoplasia pouco sensível ao tratamento oncológico: risco desprezível de SLT;

·         Carga tumoral moderada, neoplasia moderadamente sensível ao tratamento oncológico: risco baixo de SLT;

·         Carga tumoral moderada, neoplasia muito sensível ao tratamento oncológico: risco alto de SLT; 

·         Carga tumoral alta, neoplasia pouco sensível ao tratamento oncológico: risco baixo de SLT; 

·         Carga tumoral alta, neoplasia moderadamente sensível ao tratamento oncológico: risco intermediário de SLT; 

·         Carga tumoral alta, neoplasia muito sensível ao tratamento oncológico: risco alto de SLT;

É de extrema importância o reconhecimento de pacientes que apresentam um maior risco para desenvolver a SLT, visto que, ao identificar, é possível implementar medidas profiláticas antes do início do tratamento.6



Imagem 3: Prevenção recomendada com base no risco do paciente em avançar com a Síndrome da Lise Tumoral. 

Observações importantes: 

·         A hidratação endovenosa objetiva a diurese > 100 mL/m2/hora (com parcimônia em pacientes com IC, DRC grave e LRA estabelecida);

·         Alcalinização da urina: não indicada de rotina;

·         Rasburicase: pode causar metemoglobinemia; é contraindicada se deficiência de G6PD;

·         Alopurinol intravenoso (usar em casos mais graves): dose: 200 a 400 mg/m2 diariamente (máximo de 600 mg/dia), dividido em 3 doses diárias; iniciar 1 a 2 dias antes da quimioterapia; necessita correção de dose para insuficiência renal;

·         Alopurinol via ora (usar em casos mais leves): 600 a 800 mg/dia, dividido em 3 doses diárias; 

Por fim, o tratamento de uma SLT clínica envolve:

·         Hidratação endovenosa;

·         Monitorização em UTI ou sala de emergência;

·         Rasburicase (se disponível) ou Alopurinol;

·         Exames a cada 4-6 horas;

·         Solicitar avaliação da nefrologia para acompanhamento em conjunto;

 

REFERÊNCIAS

Darmon, Michael et al. Síndrome de lise tumoral: uma revisão abrangente da literatura. Revista Brasileira de Terapia Intensiva [online]. 2008, v. 20, n. 3 [Acessado 3 Fevereiro 2022] , pp. 278-285. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-507X2008000300011>. Epub 04 Nov 2008. ISSN 1982-4335. https://doi.org/10.1590/S0103-507X2008000300011.1

BRASIL. Ministério da Saúde. INCA Instituto Nacional de Câncer (Brasil), 2019.2

LONG, Dan L. et al. Medicina Interna de Harrison. 18 ed. Porto Alegre, RS: AMGH Ed., 2013. 2v.3

MELO, Gabriel, SOUZA, Walnéia, SIQUEIRA, Vanessa. Síndrome da Lise Tumoral: um panorama. Revista da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 10, n. 1, p. 137-146, 2012. 4

A Larson Richard, Pui Ching-Hon. Tumor lysis syndrome: Definition, pathogenesis, clinical manifestations, etiology and risk fator. UpToDate, 2021. 5

José Maurício S C Mota. Emergências Oncológicas - Síndrome de lise Tumoral na Emergência. Revista QualidadeHC, 04 de agosto de 2018. 6



AUTORAS:

Rafaella Carmo Oliveira- Centro Universitário Unifas, UNIME. 7º semestre. Ex-Membro Sênior da Liga Acadêmica de Oncologia da UFBA. 


Amanda Santos Almeida - Estudante de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, 4º semestre. Integrante da coordenação de Ensino da Liga Acadêmica de Oncologia da UFBA. 

 

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