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COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS

 


INTRODUÇÃO 

Antes de falarmos sobre a condução de compartilhar uma má notícia a alguém, é necessário compreender o aspecto subjetivo entrelaçado nesse contexto1. Por exemplo, a forma que determinada informação vem para mim não é a mesma que vai para outra pessoa. Nesse sentido, quando pensamos nessa temática, a primeira situação percorrida em nosso imaginário é a morte; a perda de alguém, da vida de alguém. Entretanto, outras circunstâncias também se encaixam nisto, como: o diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) para um indivíduo com histórico familiar fatídico que levaria aquela informação como a certeza da morte.  

Aqui, é importante frisar que, levando em consideração os riscos promovidos pela HAS, qualquer pessoa deveria considerar o diagnóstico de tal doença como algo ruim, porém poderemos encontrar pacientes que não julgam tal notícia assim. Portanto, temos de recordar que as pessoas reagem de maneiras diferentes a diagnósticos e situações semelhantes. 

De forma geral, a má notícia é caracterizada como uma informação que vai alterar negativamente o cotidiano e/ou estrutura familiar daquela pessoa1


OS DOIS LADOS DA COMUNICAÇÃO: VERBAL E NÃO VERBAL

Como o próprio título sugere, a comunicação é composta por dois agrupamentos essenciais que, em todo momento, funcionam como sistema complemento. A primeira, verbal, é aquela verbalizada, seja por meio da fala ou escrita. Por outro lado, a segunda, não verbal, carrega os elementos que não conseguem ser verbalizados; a exemplo disto temos os gestos, expressões faciais, postura corporal e a maneira com a qual somos tocados ou tocamos em alguém1

A partir disso, podemos afirmar que toda e qualquer comunicação utilizará as duas dimensões e cada uma delas é essencialmente importante para propagar qualquer notícia1, seja boa ou ruim.

Quando digo “sinto muito” para alguém, minha expressão facial e meus gestos devem ser condizentes com aquilo. Assim, posso realizar uma carícia no ombro e fazer silêncio em sinal de respeito, essas ações apoiam minha linguagem verbal.  

A maneira de dar uma má notícia varia de acordo com a idade, o sexo, o contexto cultural, social, educacional, a doença que acomete o indivíduo, seu contexto familiar... Enfim, a eficácia do processo de comunicação depende da flexibilidade para utilizar a técnica adequada em cada circunstância” (SILVA,2012)1

 

Fonte: PubMed

 

Elaborado em 2000, detém o intuito de auxiliar o profissional de saúde na hora da comunicação e consiste em seis etapas2 que serão destrinchadas posteriormente. Apesar do trabalho ter sido realizado para o contexto da oncologia, muitos hospitais utilizam-se amplamente deste método em vários setores. Possui quatro objetivos principais:  

recolher informações dos pacientes, o que permite ao médico determinar o conhecimento  e suas expectativas de cuidado, assim como o preparo para ouvir a má notícia2

  1. Transmitir informações médicas de acordo com o desejo e necessidade do paciente2

  2. Apoiar o paciente e tentar atenuar o impacto emocional e a sensação de isolamento2

  3. Desenvolver uma estratégia de tratamento com a colaboração e contribuição do paciente2

 

ETAPA 1:PLANEJANDO A ENTREVISTA (S- SETTING UP THE INTERVIEW)

Nesta primeira fase, estamos nos referindo a uma “organização” da situação que está prestes a ocorrer. Por isso, um ensaio mental é interessante para que se possa compreender as emoções e dúvidas que podem surgir e também como respondê-las de maneira adequada2. Assim, Baile et al (2000)1 trazem uma série de orientações que podem auxiliar o profissional:  

1.Busque por um local tranquilo, e sem distrações e observe se há presença de materiais auxiliares, como o lenço de papel2;

2.Inclua pessoas importantes para o paciente, se for da sua vontade2

3.Reveja sua postura corporal, sente-se para não transmitir a ideia de pressa e, caso tenha realizado o exame físico, você deve esperar o paciente se vestir2

4.Olhos nos olhos: mantenha conexão2

5.Antes que a conversa comece de fato, avise sobre a possibilidade de interrupções e limitação de horário2.


Figura 2: Etapa S do SPIKES

Fonte: Google Imagens


 ETAPA 2: AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DO PACIENTE (P- PERCEPTION)

Nesse segundo passo, nos referimos a tentar compreender a percepção do paciente a respeito de si mesmo, da sua condição médica2. Assim, Baile et al (2000) sugerem o uso de algumas perguntas norteadoras, como: “O que já lhe foi dito sobre seu quadro clínico até agora?” e “Qual a sua compreensão sobre as razões por que fizemos a Ressonância magnética?”. Desse modo, essas indagações serviriam como ponto de partida para correção de possíveis informações equivocadas. 

 

 ETAPA 3: OBTENDO O CONVITE (I-INVITATION)

Sua tradução é precisa à recomendação, logo, o profissional de saúde realizará um convite para o paciente. Mas, obviamente, não é qualquer tipo de convite: você o convidará a saber sobre seu estado de saúde; o ideal é que isto ocorra no momento da solicitação de exames, por exemplo: “Como você gostaria que te informasse sobre os resultados dos exames?” (BAILE ET AL, 2000). 

Por vezes, quando a doença tem caráter progressivo de gravidade, muitos pacientes relatam o desejo de saber de maneira geral, sem a precisão dos detalhes2. Isto pode gerar frustração no profissional, mas “Se o paciente não quer saber dos detalhes, se ofereça para responder a qualquer pergunta no futuro ou para falar com um parente ou amigo”  (BAILE ET AL, 2000). 


ETAPA 4: DANDO CONHECIMENTO E INFORMAÇÃO AO PACIENTE (K- KNOWLEDGE)

Nesse momento tão delicado é de grande importância informar de alguma forma que a má notícia está por vir. Isso pode ser feito com o uso de algumas frases, tais quais: “Infelizmente eu tenho más notícias a lhe dar” ou “Sinto ter que lhe dizer que...”.2

Ao dar início a explicação, é imprescindível adequar a linguagem verbal para que o paciente consiga entender, desapegando-se de termos médicos que o paciente possa não compreender. Pode-se, então, substituir “biopsia”, por exemplo, por “pedaço de tecido” e até mesmo "metastizado" por “espalhado”. Assim, garante-se que o paciente vai absorver toda a informação passada, não precisando que o médico se prolongue na explicação de algo muito provavelmente doloroso para ele. Aliado a isso, é importante checar a linguagem não verbal do paciente em busca de comportamentos que podem indicar um não entendimento do que está sendo explicado. Caso isso ocorra, é preciso adequar ainda mais a linguagem. 

Nesse passo é importante também evitar a dureza excessiva, evitando frases como “Infelizmente não há nada que eu possa fazer” em caso de prognósticos ruins. Isso não é verdade, uma vez que a finalidade terapêutica nem sempre é a cura2.


ETAPA 5: ABORDAR AS EMOÇÕES DOS PACIENTES COM RESPOSTAS AFETIVAS (E-EMOTIONS)

Essa etapa é considerada a mais difícil de se pôr em prática na aplicação do protocolo SPIKES, uma vez que exige que o médico aborde as emoções dos pacientes e reaja de acordo com elas.

No contexto de más notícias, as emoções podem surgir como choro, raiva, negação, entre outras. Nesta situação o médico pode oferecer apoio e solidariedade ao paciente com uma resposta afetiva. Uma resposta afetiva consiste de quatro etapas2:

Primeira: observar qualquer emoção do paciente. Isso pode ser lágrimas nos olhos, um olhar de tristeza, silêncio ou choque.

Fique atento também à linguagem não verbal. 

Segunda: identificar a emoção experimentada pelo paciente nomeando-a para si mesmo.

Se um paciente parece triste mas está calado, use perguntas abertas para inquirir o paciente

sobre o que está pensando ou sentindo por meio de perguntas exploratórias (tabela 1).

 É muito importante saber o que o paciente está sentindo antes de falar algo, é sobre compreender

o significado da doença para o paciente. 

Terceiro: identifique a razão desta emoção. Geralmente está ligada à má notícia. Entretanto, se você não

tem certeza, novamente, pergunte ao paciente. Pode existir algo por trás, angústias pessoais ou

coisas do tipo.

Quarto: depois que tiver dado ao paciente um breve período de tempo para expressar seus sentimentos, faça-o saber que você ligou a emoção com o motivo da emoção fazendo uma afirmativa a respeito (tabela 1).

Médicos podem também usar respostas afetivas para reconhecer sua própria tristeza ou outras emoções (“eu também queria que as notícias fossem melhores”). Pode ser uma mostra de apoio seguir a resposta de uma afirmativa que a valide, que permite ao paciente saber que esses sentimentos são verdadeiros.

TABELA 1: Exemplos de frases afirmativas afetivas, perguntas exploratórias e respostas que reasseguram 

Fonte: Baile et al. 


ETAPA 6: ESTRATÉGIA E RESUMO (S – STRATEGY AND SUMMARY)

Nessa etapa, o médico traça as estratégias futuras para o paciente, explicando os próximos passos a se tomar. 

É muito importante explorar o conhecimento dos pacientes, suas expectativas e esperanças (etapa 2 do SPIKES). Isso permite ao médico saber onde o paciente está e iniciar a discussão a partir daquele ponto. Quando os pacientes têm expectativas não realistas, pedir que ele descreva a história de sua doença geralmente revelará medos, preocupações e emoções subjacentes à expectativa. O paciente pode ver a cura como uma solução global para diversos problemas que são significativos para ele. Estes podem incluir a perda de um emprego, incapacidade de cuidar da família, dor e sofrimento, dureza com os outros ou mobilidade prejudicada. 

Além disso, apresentar opções de tratamento para os pacientes irá estabelecer a percepção de que o médico vê seus desejos como importantes. Compartilhar responsabilidades na tomada de decisão com o paciente pode também reduzir qualquer sensação de fracasso da parte do médico quando o tratamento não é bem sucedido. Ademais, avaliar o não entendimento do paciente sobre a discussão pode prevenir a tendência documentada dos pacientes superestimarem a eficácia ou não compreenderem o propósito do tratamento2.

IMPORTÂNCIA DO PROTOCOLO SPIKES PARA O PACIENTE E PARA O MÉDICO. 

Os médicos sentem-se frequentemente desconfortáveis quanto necessitam discutir prognóstico e opções de tratamento com o paciente se a informação é desfavorável. O protocolo permite que o médico tenha um norte, obviamente, adaptando-o à individualidade de cada paciente. Esse desconforto se dá, principalmente, por alguns motivos, dentre os quais estão a incerteza sobre as expectativas do paciente, o medo de destruir a esperança do paciente, o fato do profissional não se sentir preparado para lidar com as reações emocionais dos pacientes e algumas vezes a vergonha de ter previamente pintado um quadro excessivamente otimista para o paciente2.

 Assim, quando o médico utiliza o protocolo SPIKES, nota-se uma maior confiança na tarefa de transmitir a notícia, uma diminuição do desconforto, além de reduzir o risco de estresse e Burnout.  

Para os pacientes, o protocolo também traz uma série de benefícios. Estes, olham seus oncologistas como uma das mais importantes fontes de apoio psicológico. Daí urge a importância de tornar o momento mais agradável, haja vista o poder subjetivo do diagnóstico e implicações do tratamento do câncer.  Assim, como pontos positivos temos: a preparação para estabelecimento de plano terapêutico, o encorajamento a adesão de tratamento e o apoio psicológico essencial no momento de sofrimento2.


REFERÊNCIAS 

  1. SILVA, Maria Julia Paes da. Comunicação de más notícias. O Mundo da Saúde, São Paulo,v. 36, n. 1, p. 49-53, 2012. Disponível em: < http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/90/05.pdf >.

  2. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. SPIKES-A six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5(4):302-11. doi: 10.1634/theoncologist.5-4-302. PMID: 10964998.


Cléssia Regina da Encarnação

@clessiaregina

Medicina UFBA- 5° Semestre

Coordenadora da Diretoria de Pesquisa da LAON




Victor Hugo Valença Bomfim

@victor_hvb 

Medicina UFBA - 3º Semestre

Diretor de Pesquisa da LAON


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