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NEOPLASIAS ASSOCIADAS AO HIV

 



INTRODUÇÃO

O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um retrovírus transmitido por via sexual ou parenteral, incluindo transfusões sanguíneas e compartilhamento ou acidentes com objetos perfuro-cortantes infectados, além de vertical (isto é, da mãe sem tratamento para o feto durante a gestação, trabalho de parto ou amamentação).

Tal vírus infecta um importante tipo celular que compõe o sistema imune do corpo humano, o linfócito T CD4. Após a infecção pelo patógeno, nota-se, em um primeiro momento, uma fase aguda, período em que se observa uma redução da carga viral por conta da ação do sistema imune. Esta é seguida, então, por uma fase crônica, a partir de cerca de 6 meses, quando se passa a notar um aumento na carga viral com subsequente queda das células T CD4 ao longo dos anos. Ademais, a partir do momento em que as células supracitadas adquirem um número inferior a 350 células/µl, o indivíduo se torna muito susceptível às infecções oportunistas, piorando conforme este valor é reduzido.

Nesse tocante, denomina-se de Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS), quando a contagem das células referidas é inferior a 350/µl ou houver a presença de uma complicação definidora de AIDS; deve-se notar que tal valor pode variar de acordo com o país na qual se está inserido, o valor aqui ressaltado diz respeito ao Ministério da Saúde (MS) do Brasil, porém o US Centers for Disease Control and Preventions (CDC) define AIDS nos pacientes que apresentam valor inferior a 200/µl.



Imagem 1. História natural da infecção pelo HIV)

Fonte: SANCHES, 2019. P. 15


LINFÓCITO T CD4

O linfócito TCD4 funciona como uma espécie de “regulador-mestre” das respostas imunológicas celulares e humorais, na medida em que está associado ao recrutamento ativação dos fagócitos (macrófagos e neutrófilos), assim como de outros leucócitos responsáveis pela destruição de microrganismos intracelulares e alguns extracelulares, além de auxiliar os linfócitos B na produção de anticorpos. A perda desse “regulador-mestre” implica, então, em uma espécie de efeito cascata sobre virtualmente todos os demais componentes do sistema imunológico.

NEOPLASIAS NOS PACIENTES COM HIV

Cerca de 30 a 40% dos pacientes com HIV apresentarão alguma doença maligna ao longo da vida, e, 30% evoluirão à óbito por essa causa (número que também se relaciona ao diagnóstico tardio, também frequente nesses indivíduos).

Dentre as características comuns entre as neoplasias encontradas nos pacientes com AIDS, destaca-se o fato destas serem causadas por vírus de DNA oncogênicos, incluindo o HHV-8 (Herpesvirus associado ao Sarcoma de Kaposi), o EBV (linfoma de células B) e o HPV (carcinomas cervical e anal) – que, em pessoas saudáveis, são mantidas sob controle por um sistema imunológico competente. Por outro lado, na ausência de um sistema imune eficiente, incapaz de conter as infecções e reativação dos vírus oncogênicos, nota-se, então, um risco aumentado de malignidade em pacientes com AIDS.

Ademais, outras questões também parecem estar associadas à esta questão, como o próprio papel do HIV, que aparenta ativar protoncogenes, alterar regulação do ciclo celular, inibir genes supressores de tumor ou outras alterações genéticas que contribuem com a oncogênese.

DOENÇAS DEFINIDORAS DE AIDS

As doenças definidoras de AIDS dizem respeito àquelas enfermidades cuja presença, no indivíduo HIV positivo, determina a presença de AIDS (independente da contagem de CD4). Estão incluídas neste grupo o sarcoma de Kaposi (SK), os linfomas não Hodgkin (LNH) e o câncer cervical invasivo.

É importante perceber que, após a introdução da Terapêutica Antirretroviral de Alta Potência (HAART), ocorreu uma série de modificações nos cuidados aos pacientes infectados por HIV. Nesse tocante, notou-se uma diminuição da incidência de neoplasias definidoras de AIDS, em especial de SK e alguns linfomas (como linfoma primário do Sistema Nervoso Central e linfoma não Hodgkin de células B de alto grau) - antes da era HAART, as neoplasias definidoras correspondiam a 88% das malignidades nos pacientes com AIDS/HIV, enquanto que após a introdução desta terapia, o número baixou para 33%.

No entanto, por outro lado, tem-se observado, na atualidade, maior ocorrência de outras doenças malignas nesses pacientes (as denominadas neoplasias não definidoras de AIDS), que incluem o carcinoma anal, melanoma, cânceres da cavidade oral, fígado, mama, próstata e tireoide. Não se sabe ao certo o que tem causado esse efeito referente ao aumento das neoplasias não definidoras de AIDS, uma vez que não existe, ainda, uma ligação direta de que o próprio tratamento está induzindo o aparecimento tumoral. Outros autores sugerem que o maior desenvolvimento de câncer pode estar relacionado com o fato de que pacientes em uso de HAART exibem maior sobrevida.

LINFOMA NÃO HODGKIN

INTRODUÇÃO

Os Linfomas Não Hodgkin (LNH) formam um grupo heterogêneo de doenças malignas que compreende mais de 20 tipos, variando de comportamento indolente (que não exige tratamento) até agressivo (com baixa sobrevida). Tal enfermidade pode ser classificada em linfomas de alto grau (ou agressivos, sendo o principal representante o linfoma difuso de grandes células B, cujo diagnóstico em um indivíduo com HIV define a presença de AIDS) e em linfomas de baixo grau (ou indolentes, a exemplo dos linfomas foliculares e os linfomas linfocíticos de pequenas células [LLC], que ocorrem em menor frequência e não são considerados como definidores de AIDS).

EPIDEMIOLOGIA

Os LNH constituem a primeira manifestação considerada “oportunista” no diagnóstico de AIDS em 2,5 a 5% dos indivíduos infectados por HIV; e, a sua ocorrência nessa população é estimada em cerca de 8%. Nos anos de 1980, bem no início do surgimento do HIV/AIDS, o risco de desenvolver LNH em 3 anos após diagnóstico de AIDS era 165 vezes maior do que o da população em geral. Evidentemente, com o advento do HAART se notou uma diminuição significativa na morbimortalidade associada ao HIV (embora menor do que quando comparada à SK ou outras doenças oportunistas), motivo pela qual, atualmente, ainda é a neoplasia mais comum associada ao HIV nos EUA. No entanto, o risco relativo para desenvolvimento de LNH permanece em torno de 13 a 20 vezes o da população geral – em se tratando do LNH sistêmico, nos indivíduos submetidos ao HAART, a incidência foi de 205,1/100.000 pessoas-ano, contra 462,6/100.000 pessoas-ano naqueles que não fizeram uso do HAART. Ademais, o risco de LNH-HIV está aumentado em pacientes com maior idade, imunodeficiência mais avançada e carga viral elevada.

Por fim, é importante ressaltar que, recentemente, tem-se observado um aumento na incidência da doença de Hodgkin e não Hodgkin; logo torna-se fundamental que os profissionais da área da saúde fiquem atentos quanto à solicitação periódica de testes anti-HIV.

PATOGENIA

Considerando que na era pós-HAART a maioria das doenças malignas está relacionada a agentes infecciosos (incluindo os vírus das hepatites, HPV, EBV, HHV-8), com os LNH-HIV, não é diferente – até 30% deles são linfomas de Burkitt (linfoma agressivo de células B), que, em 25% estão associados a alguns herpes vírus (principalmente o EBV); este vírus também é detectado em 60 a 80% dos linfomas difusos de grandes células B subtipo imunoblástico. Alguns estudos mostram que existe associação entre linfoma e EBV ou HHV-8 em metade dos indivíduos analisados.

Na idade adulta, a maior parte dos indivíduos normais é infectada pelo EBV, porém em sistemas imunocompetentes, ela permanece como uma infecção latente em pouquíssimas células B. A ativação das células infectadas, seja por antígenos ou citocinas, desperta um programa de expressão gênica codificado pelo EBV que resulta na proliferação de células B; nesse tocante, denota-se que os pacientes com AIDS exibem altos níveis de uma série de citocinas, algumas delas (como a IL-6) constituem um fator de crescimento para células B. Na ausência de imunidade de células T (diante da imunodeficiência causada pelo HIV), tais clones ativados infectados por EBV proliferam e eventualmente adquirem mutações somáticas adicionais, resultando no seu crescimento como linfomas de células B. Além disso, anormalidades genéticas e estimulação crônica de células B pelo HIV e/ou outros vírus também exercem papel na patogênese do LNH-HIV.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

A depender do tipo do linfoma, assim como os sítios acometidos pela doença, os linfomas associados ao HIV podem exibir diferentes manifestações clínicas. A apresentação geral é múltipla, mas, normalmente, se apresentam com linfonodopatia, organomegalia e/ou sintomas constitucionais. Ademais, notam-se algumas diferenças nos linfomas presentes na população HIV positiva e negativa - na primeira, tem-se maior probabilidade deste ser encontrado em um estágio avançado da doença (em geral, IV), além da presença de sintomas constitucionais (sintomas B, como febre, perda de peso, sudorese noturna), envolvimento extranodal (trato gastrintestinal e cérebro) e aumento do risco de emergências oncológicas (como síndrome da lise tumoral, obstrução do trato gastrintestinal ou da via aérea, já discutidos em outras postagens deste Blog).

Deve-se notar, ainda, que os linfomas podem estar presentes em qualquer momento da infecção de HIV, porém a sua emergência depende do subtipo histológico - por exemplo, o linfoma de células B grandes difusa tende a ocorrer quando a imunossupressão é mais pronunciada, enquanto o de Burkitttende, ocorre quando a contagem de CD4 está mais preservada.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Naqueles pacientes que apresentam a sintomatologia referida acima, para que o diagnóstico de linfoma associado à HIV seja firmado, é preciso detectar a presença de células linfoides malignas por critérios morfológicos, imunofenotípicos e/ou moleculares (onde, para cada tipo de linfoma, se procura por diferentes apresentações).

Em termos de terapêutica, os LNH nos pacientes infectados por HIV trazem desafios particulares, sendo dificultado pelo estado de imunossupressão do paciente. A terapia ótima inicial na presença de LNH associado à HIV ainda não foi estabelecida, mas deve iniciar com terapia antiretroviral para controlar a infecção do HIV e permitir a administração de quimioterapia e/ou radioterapia. No entanto, deve-se notar que a escolha do tratamento varia conforme o subtipo do LNH e o estágio da doença, podendo ser feitas alterações com base no grau de imunossupressão do HIV com base na contagem de CD4.

Ademais, também há maiores riscos de complicações relacionadas ao tratamento em função de interação medicamentosa, efeitos colaterais, e o efeito potencial da quimioterapia na contagem de células T CD4+ e na viremia plasmática de HIV, motivo pelo qual os pacientes com linfoma associado ao HIV têm pior prognóstico quando comparados aos não infectados, embora o uso concomitante do tratamento antirretroviral tem melhorado seu prognóstico. Nesse sentido, atesta-se que a terapêutica antirretroviral demonstrou um impacto favorável na resposta do LNH ao tratamento, com completa remissão semelhante às taxas obtidas na população geral com LNH agressivo.

HHV-8/KSHV

INTRODUÇÃO

O Herpesvírus Humano-8 (HHV-8), também chamado de Sarcoma de Kaposi Herpes Vírus (KSHV) é detectado em raras doenças linfoproliferativas e em pacientes infectados por HIV – o próprio nome deste vírus já o associa à sua neoplasia, porém é importante perceber que este não está relacionado apenas ao Sarcoma de Kaposi (SK), como também aos linfomas de cavidades corporais (PEL) e na doença de Castlemann multicêntrica (MCD). É importante perceber que a infecção por HHV-8 é um requisito para o desenvolvimento do SK e PEL (porém, embora ela seja necessária para o aparecimento destes, é necessário que ocorra coinfecção por HIV e imunossupressão), e constitui um estimulo patogênico para MCD.


EPIDEMIOLOGIA, TRANSMISSÃO E DIAGNÓSTICO

A incidência do vírus na população geral varia muito conforme a região geográfica, sendo encontrado, geralmente, entre 5 a 20% na população geral a até 30 a 80% nas regiões endêmicas, como na região subsaariana.

Não há uma definição exata sobre o modo de transmissão do HHV-8. Existem evidências de transmissão sexual (comportamentos associados à exposição à saliva parecem estar relacionados), horizontal (considerando que o vírus é encontrado na orofaringe dos indivíduos, tanto imunocompetentes como imunodeprimidos, em regiões de endemicidade) e parenteral (nota-se uma incidência aumentada em receptores de transfusão sanguínea onde o HHV-8 é endêmico).

Os métodos sorológicos para identificação de infecção por HHV-8 são limitados em sensibilidade e especificidade. Existem poucas indicações para o seu uso, restringindo-se para levantamentos epidemiológicos e pesquisa – a detecção direta do DNA do HHV-8 em amostras clínicas com o uso da PCR é indicada em condições clínicas restritas. A hibridização in situ ou a imuno-histoquímica podem revelar proteínas de HHV-8 expressas em tecidos humanos, o que é frequentemente utilizado nos diagnósticos de SK, PEL e MCD.

PATOGENIA

Assim como os demais herpes vírus, o HHV-8 exibe um ciclo de vida alternante entre duas fases. A fase lítica é caracterizada pela replicação viral, com a expressão de produtos gênicos. Por outro lado, entretanto, durante a fase latente a expressão gênica é limitada e o vírus é mantido como epissomos ligados ao cromossomo do hospedeiro, sendo replicado com estes cromossomos e é posteriormente transmitido para as células filhas. Nesse sentido, destaca-se que as doenças associadas ao HHV-8 variam no grau de replicação durante a fase lítica: as lesões do SK estão relacionadas à uma replicação viral limitada, a MCD a um alto grau de replicação e o PEL à uma replicação viral intermediária.

O papel do HHV-8 na patogênese do SK, do PEL e da MCD decorre da codificação de numerosas proteínas específicas. O vírus em questão produz moléculas que são críticas na transdução de sinais que estimulam a proliferação celular e inibição da apoptose, a exemplo dos seguintes compostos:

a. O antígeno nuclear associado à latência constitui um dos principais e está associado ao crescimento celular, na medida em que não apenas promove um estímulo proliferativo, como também inibe a apoptose, entre outras funções.

b. O receptor da proteína G viral é um produto gênico da fase lítica, e, leva à oncogênese por meio da proliferação celular, transformação, pró-angiogênese e sinalização antiapoptótica.

c. A proteína inibitória viral FLICE, constitui a terceira proteína oncogênica, está associada com NFkB e funciona como oncogênica através da manipulação de sua via

d. A IL-6 viral, codificada pelo HHV-8, por último, é produzida pelas células infectadas, se liga a gp130 e ativa STAT3 na produção autócrina.

Em modelos experimentais, já foi demonstrada a relação existente na intensificação da replicação entre os vírus HIV e HHV-8. O gene Trans-Activator of Transcription (Tat) do HIV, por exemplo, regula a expressão gênica do HIV e tem um papel crucial no desenvolvimento do SK por meio dos produtos gênicos do HHV-8. O Tat promove a migração e a proliferação das células endoteliais ativadas por citocinas e estimula o crescimento celular do SK em modelos murinos. Similarmente, a infecção por HHV-8 intensifica a replicação do HIV; o antígeno nuclear associado à latência parece ativar os Long Terminal Repeats (LTR) do HIV-1 por meio da sua associação com o Tat. Diante disso, acredita-se que as ações do Tat possam contribuir para o desenvolvimento do SK mais agressivo em pacientes com AIDS.

SARCOMA DA KAPOSI

Vários tipos de SK são relatados, dentre os quais temos:

SK clássico: doença não agressiva que geralmente afeta homens de idade mais avançada no mediterrâneo. Sem associação com o HIV.

SK endêmico: afeta pessoas na África Subsaariana, é mais agressivo que o SK clássico e também não está associado ao HIV.

SK epidêmico: causa comum de tumor entre infectados pelo HIV. Caracterizado por doença cutânea disseminada com acometimento de mucosa oral e envolvimento de vísceras, especialmente pulmão e trato gastrointestinal.

Várias propostas de tratamento estão disponíveis. Independente de qualquer fator clínico, todos os pacientes diagnosticados com SK associado a AIDS devem receber a terapia antirretroviral. Essa tem papel importante na redução da incidência do SK, a regressão no número e tamanho de lesões e regressão histológica de lesões existentes.

Não há muitos dados sobre eficácia comparativa de regimes de antirretrovirais, mas alguns estudos sustentam apenas o uso de inibidor de protease.

Os tratamentos antivirais podem ser eficazes em conjunto com a quimioterapia convencional.

LINFOMA DE CAVIDADES CORPORAIS

É uma doença linfoproliferativa pouco usual, consistindo em menos de 2% dos linfomas associados ao HIV. Atualmente é classificada em dois tipos:

PEL clássico: envolvimento linfomatoso da superfície das serosas.

PEL sólido: manifestam-se inicialmente como tumores baseados em tecidos e derrames não malignos.

Os dois são similares quanto à morfologia, ao imunofenótipo e às características moleculares. Relata-se que altos níveis de HHV-8 e IL-6 nas células tumorais ajudam no diagnóstico.

Sua morbidade e mortalidade estão altamente associadas a derrames pleurais pericárdicos e peritoniais

Devido a sua baixa incidência não há tratamento padronizado, uma vez que os estudos clínicos randomizados não são factíveis. O uso de regimes citotóxicos padrões usados no LNH apresentam resultados insatisfatórios. No entanto, a terapia antirretroviral é indicada e é associada à regressão espontânea.

DOENÇA DE CASTLEMAN MULTICÊNTRICA

A doença de Castleman multicêntrica afeta vários grupos de gânglios linfáticos e também pode afetar outros órgãos contendo tecido linfóide.

É um doença linfoproliferativa agressiva caracterizada por sintomas constitucionais, anemia e linfadenopatia generalizada.

Em pacientes com essa doença e infecção por HIV, o tratamento do HIV é imprescindível. A quimioterapia sistêmica também é fundamental.

CA ANOGENITAIS

INTRODUÇÃO

Os canceres anogenitais incluem o carcinoma cervical e anal, além de suas lesões precursoras e lesão intra epitelial escamosa (SIL) anal e cervical.

A infecção pelo HPV e HIV são fatores de risco e comumente se apresentam de forma conjunta, visto que ambos são vírus sexualmente transmissíveis e apresentam semelhantes fatores de risco para aquisição.

A patogenia das neoplasias anogenitais pode estar relacionada à alteração da imunidade pelo HIV, bem como pela interação entre ambos os vírus (HIV e HPV).

NEOPLASIA CERVICAL

Desde 1980 já se nota maior prevalência de infecções cervicovaginais, especialmente infecção pelo HPV e lesão intra epitelial escamosa em pacientes com HIV. Viu-se, então, que a imunodeficiência aumenta a suscetibilidade em contrair HPV, além de que o HIV pode alterar a história natural do HPV, permitindo o desenvolvimento de neoplasia cervical com maior frequência. Vale lembrar que o HPV é um fator necessário para o desenvolvimento da neoplasia cervical, mas ele não é suficiente. Assim, toda mulher com neoplasia cervical vai apresentar infecção por vírus do HPV, mas nem toda mulher com HPV vai desenvolver a neoplasia. Dessa forma, o HIV atua aumentando a suscetibilidade do desenvolvimento de câncer maligno.

Há, então, uma forte relação entre alterações citopatológicas cervicais, baixa contagem de CD4 (<200mm³) e carga viral positiva para HIV (>10.000 cópias por mL). Nesse sentido, mulheres diagnosticadas com HIV e com contagem de CD4 abaixo de 200mm³ devem ser submetidas a exame preventivo em períodos menores do que o habitual recomendado para mulheres HIV negativas. Hoje, o Ministério da Saúde recomenda que a análise citológica deve ser repetida semestralmente até que o estado imunológico dessas pacientes apresente uma melhora.

Embora não haja estudos que comprovem totalmente a hipótese, algumas pesquisas in vitro demonstraram que o HIV pode interagir diretamente com o vírus do HPV, alterando sua história natural. Segundo esses estudos, a proteína TAT do vírus da imunodeficiência humana interage com as proteínas E1 e E7 do HPV, aumentando a sua expressão. É incerto, no entanto, a capacidade de aumento da transcrição e replicação do HPV in vivo.

Além de aumentar o risco de desenvolvimento do câncer cervical, o HIV demonstrou ser um fator preditor de um prognóstico negativo. Em uma coorte de mulheres HIV+ com neoplasia cervical, observou-se que, quando comparadas a mulheres HIV-, a neoplasia foi mais avançada na apresentação, houve maior recidiva e maior frequência de envolvimento perianal. Além disso, os tratamentos padronizados foram menos eficazes, houve mais recidiva em intervalos de tempo mais curtos e maior número de óbitos do que nas mulheres não infectadas por HIV.

O uso da HAART tem demonstrado grande importância na redução da carga viral do HIV, no aumento da contagem de CD4, além de influenciar na regressão das lesões cervicais causadas pelo HPV. No entanto, a infecção por HPV e suas lesões associadas persistem em mulheres que recebem HAART e que tiveram alta carga viral de HIV por muitos anos.

NEOPLASIA ANAL

Embora seja raro e de acometimento predominante em idosos, sua incidência vem aumentando em grupos considerados de maior risco. O HPV tem sido apontado como agente causal nessa população, e mais particularmente, naqueles infectados por HIV. O que explica, então, a diminuição da faixa etária na ocorrência deste câncer. Um estudo da Universidade de Manaus, demonstrou uma maior frequência de lesões intra epiteliais escamosas do anus e câncer anal entre HIV+ do que HIV-, principalmente entre homens que se relacionam com homens (HSH) HIV positivos.

Pacientes com lesão intraepitelial de alto grau estão sob risco aumentado de desenvolver câncer, mas a depender do genótico do HPV, da presença de múltiplos tipos e sob condições de imunodepressão, lesões consideradas baixo grau podem evoluir para de alto grau.

A história natural do câncer anal não é totalmente elucidada. Inicialmente, foi classificado como não associado à contagem de células T CD4, no entanto, alguns estudos mais recentes chegaram a conclusão que pode haver uma maior incidência em pacientes com baixa contagem.

Na era pré HAART a incidência do câncer anal era de 88 para cada 100.000 pessoas, aumentando para 190 a cada 100.000. Esses números demonstram um aumento extremamente significante nas três últimas décadas.

TRATAMENTO

O tratamento das neoplasias anogenitais geralmente envolve quimioterapia e radioterapia ou cirurgia, podendo variar de acordo com o estágio da doença e características específicas do tumor e do paciente.

Em pacientes com HIV, o processo é semelhante, mas muitos estudos apontam que a toxicidade do tratamento é maior nessa população, e adaptações devem ser realizadas para otimizar o protocolo.

Costuma ser necessário fazer mais interrupções e pausas de maior duração no tratamento desses pacientes para lidar com os efeitos adversos, que podem ser acentuados na parte dermatológica (descamação da pele) e hematológica. Essas crises podem ser agudas e necessitar de hospitalização.

Vale ressaltar, também, que o tratamento parece ser mais bem-sucedido em pacientes que já estão em terapia antirretroviral, com um aumento na sobrevida em até dois anos.

REFERÊNCIAS

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AUTORES E REVISORES



PEDRO RESENDE FERREIRA RENDE

Acadêmico do 7º Semestre

Diretor de Comunicação




VICTOR HUGO VALENÇA BONFIM

Acadêmico do 4º Semestre

Diretor de Pesquisa


Revisores: Cléssia Regina Santana da Encarnação e Davi Monteiro Santos

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