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MANEJO DA DOR EM ONCOPEDIATRIA


O  sintoma mais comum entre pacientes com doenças crônicas, principalmente o câncer, é a dor. Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), ela é caracterizada como uma experiência sensitiva e emocional desagradável, associada ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial.

A dor exerce papel de alerta, indicando que há alguma disfunção biológica em ocorrência no indivíduo, a mesma é considerada subjetiva e individual, a sua avaliação caminha pelo mesmo percurso, sendo assim uma atividade complexa, que requer orientação, acompanhamento e renovação, principalmente pelo fato de cada paciente relatar a dor com base em suas experiências pessoais de vida.

A literatura atual traz que a dor pode ser dividida em três grandes categorias: 

Nociceptiva: dor aguda, causada por corte, trauma; 

Porém, de acordo com o artigo de Santana, que conta com uma revisão atualizada dessa conceitualização da dor, mostra, além da definição, outras notas explicativas da mesma, e traz que a dor e a nocicepção são, na verdade, fenômenos diferentes. 

Isso é justificado a partir de que a dor não pode ser determinada exclusivamente pela atividade dos neurônios sensitivos.

Neuropática: crônica, gerada por alguma lesão do sistema nervoso, podendo vir com sensação de formigamento, queimadura ou descarga elétrica; 

Psicogênica: relacionada ao estado emocional, como enxaquecas, epigastralgia e contraturas musculares. 

Esta é mais difícil de diagnosticar, por não haver lesões ou causas visíveis.

DOR TOTAL

O termo “dor total” foi introduzido por Cicely Saunders, este conceito revela a importância de todas as dimensões do sofrimento humano (física, mental, social e espiritual).

Física: Causada pelo tratamento ou pela própria doença, ou por alguma comorbidade desse paciente.

Emocional: Depressão, ansiedade, medo do sofrimento, experiências passadas.

Social: perda de papéis sociais, perda de trabalho, preocupações financeiras, preocupação com o futuro da família, dependência.

Espiritual: Medo do desconhecido, raiva com o “divino” (com Deus, independente da religião que se acredita), perda de fé, busca pelo significado.

A partir das vivências únicas na vida de cada pessoa, observa-se a subjetividade de respostas diante da expressão de dor por cada indivíduo, essa subjetividade tende a se manifestar por respostas afetivas e cognitivas. Levando-nos a perceber que, o alívio da dor não poderá ser alcançado se não houver atenção necessária direcionada a todas essas dimensões indissociáveis. E então, podemos compreender que aliviar a dor e o sofrimento vai muito além dos analgésicos e das técnicas. 

EPIDEMIOLOGIA

Quanto à epidemiologia, a dor no paciente oncológico se manifesta em 51 a 70% dos doentes em todos os estágios evolutivos da doença. É observada em 20% a 50% dos pacientes desde o diagnóstico do câncer,  em 70% a 90% deles quando a doença é avançada. É muito intensa (acima de 7 em uma escala de 0 a 10) em 25 a 30% dos doentes.

AVALIAÇÃO DO PACIENTE

Em Pediatria, o gerenciamento da dor envolve a avaliação de vários fatores, já que os pacientes apresentam dificuldade em definir o local e a intensidade da dor a depender da faixa etária. 

Devem ser considerados a agitação, avaliação da expressão facial, alterações de frequência cardíaca e respiratória. Além disso, a avaliação dos pais e acompanhantes confere elementos importantes a respeito do quadro de seus entes.

ESCALAS DE AVALIAÇÃO

Tendo em vista a melhor preparação e padronização dos profissionais de saúde no atendimento desses pacientes acometidos por esses processos dolorosos, a utilização de escalas favorece o processo como principal ferramenta para identificar, monitorar e avaliar a dor, os resultados do tratamento, e o periódico de sua intensidade.

As escalas mais utilizadas para avaliação comportamental do paciente pediátrico são:

Neonatal Infant Pain Scale (NIPS): Escala de Dor no Recém-Nascido e no Lactente 

Possui 6 indicadores de dor, avaliados de 0-2 pontos. Trata-se de uma escala de avaliação rápida, que pode ser utilizada em recém-nascidos a termo e pré-termo. Uma pontuação igual ou maior a 4 indica presença de dor.

                               

Children’s and Infant’s Postoperative Pain Scale (CHIPPS) 

Essa escala é utilizada para crianças de 30 a 50 dias,  constitui cinco itens: choro, expressão facial, postura do tronco, postura das pernas e inquietude motora.

A cada item podem ser atribuídos de zero a 2 pontos, totalizando scores de zero (sem dor) a 10 (dor máxima).

     

Crianças em idade escolar tendem a se expressar de forma mais assertiva, qualificando e quantificando a sua dor e fornecendo informações mais exatas. Desta forma, nesta faixa etária é possível utilizar a escala de faces, a escala numérica ou a escala visual analógica.

ALTERNATIVA FARMACOLÓGICA

A dor é o principal sintoma de alerta para o câncer na infância. Frequentemente, ela dá pistas de onde se localiza e de qual a extensão do envolvimento da patologia. Sendo assim, é claro que precisamos ser precisos e conscientes quanto à dor do paciente para realizar um manejo adequado. Além disso, a dor está relacionada com o tratamento e com complicações terapêuticas.

Dito isso, a dor Neuropática é especialmente problemática e pode ser provocada pelo desenvolvimento do tumor ou, ainda, pela quimioterapia e pelas intervenções cirúrgicas. Ademais, como esse tipo de sintoma é de decorrência de lesões em nervos centrais e periféricos (relacionados com um dermátomo), os pacientes, especialmente crianças menores, têm grande dificuldade de localizar e explicar a dor. Como exemplificação, a Neuropatia periférica induzida por quimioterapia é uma complicação relacionada à dor neuropática com padrão de distribuição de “meia e luva” e inclui dormência, formigamento e disfunções motoras.

Sob outra ótica, para crianças que passaram por amputação como método de tratamento, a dor do membro fantasma tem uma inacreditável prevalência de 90% dos pacientes. Essa dor inicia, habitualmente, na primeira semana após a cirurgia e é menos frequente em crianças mais novas. No entanto, quando isso acontece, é muito frequente o relato de frustração ao tentar explicar a dor em uma parte do corpo que não existe mais.

Além disso, outras possíveis queixas são dores viscerais, dores generalizadas (com as mudanças que ocorrem na pele), dores articulares e musculares e mucosite.

Sob uma outra lógica, para crianças em tratamentos paliativos, a dor se torna ainda mais complexa e desafiadora! Por conta de infecções, necroses, obstruções e efeitos colaterais dos tratamentos, não é incomum o relato de um conjunto muito diverso de dores. Sendo assim, é de suma importância que o tratamento seja multimodal, adequado e agressivo. 

Por fim, é importante salientar que mais de 60% das crianças que sobrevivem a cânceres relatam algum tipo de dor, o que ilustra a tamanha importância de ter um excelente entendimento do manejo desse sintoma.

ANALGESIA

A OMS recomenda que a escolha da intervenção para a dor seja adaptada para a idade da criança, para a doença vigente e para os relatos anteriores de dor e seu manejo. Outro ponto a ter atenção é a possibilidade de alergias a alguns medicamentos.

Além disso, é importante lembrar que a administração de analgésicos deve ser bem organizada e agendada. Dessa forma, a prescrição desses remédios conforme a dor ocorre só é aconselhada para casos de dor intermitente e imprevisível.

A idade e o nível de desenvolvimento afetam diretamente a conduta terapêutica, uma vez que a absorção, a distribuição e o metabolismo de medicamentos variam de acordo com tais critérios. Como exemplificação, a absorção de medicamentos orais é alterada, em neonatais e em crianças mais jovens, com o pH gastrointestinal mais alto. Como outra possibilidade, a alta taxa de água, em comparação com o armazenamento de músculo e de gordura, provoca uma maior distribuição de medicamentos hidrossolúveis, como a Morfina, frente a medicamentos lipossolúveis.

MANEJO FARMACOLÓGICO

É inegável que os opióides são a primeira escolha para o manejo da dor provocada por câncer. A exposição a esse medicamento ocorre, habitualmente, ainda nos estágios iniciais do tratamento e persiste, muitas vezes, após a cura ou nos tratamentos paliativos. Dito isso, um estudo de 2018 indicou que crianças curadas de linfomas têm 2,5x mais  chances de terem prescrição de opióides após o término do tratamento (em comparação com crianças não pacientes oncológicas), enquanto as curadas de leucemia têm 4x mais chances.

Dentre os agonistas opióides, a Morfina é o medicamento mais usado, seguido pela hidromorfona, que  é uma alternativa mais potente, e pelo Fentanil, que  é absurdamente potente. A metadona é uma alternativa para quem é alérgico aos opióides: ela atravessa a barreira hematoencefálica, o que é positivo para tratamento de dores neuropáticas. No entanto, a metadona está muito associada à dependência química e deve ser administrada apenas por profissionais com ampla experiência com o manejo da dor oncológica em crianças.

Para maior detalhamento, segue a tabela:


MORFINA HIDROMORFONA FENTANIL METADONA

Dor leve à severa

Inúmeras Rotas

Diversas Formulações 5-7x mais potente

Seguro para deficiências renais Até 100x mais potente

lipossolúvel

Rápido início e curta duração

Risco de depressão Respiratória Alternativa para alérgicos

Atravessa a barreira hematoencefálica

Alta dependência química

MORFINA

HIDROMORFONA

FENTANIL

METADONA

Dor leve à severa

Inúmeras Rotas

Diversas Formulações

5-7x mais potente

Seguro para deficiências renais

Até 100x mais potente

lipossolúvel

Rápido início e curta duração

Risco de depressão Respiratória

Alternativa para alérgicos

Atravessa a barreira hematoencefálica

Alta dependência química

Isso posto, é importante mencionar a avaliação de risco de dependência química decorrente do uso de opióides. É fundamental, portanto, que tenhamos informações sobre histórico de abuso de drogas na família e, associado a isso, que possamos proporcionar orientações de qualidade aos familiares. Ademais, além da dependência química, alguns efeitos colaterais são possíveis e devem ser conhecidos: Constipação, Náuseas e Sedação.

Sendo assim, para garantir um melhor aproveitamento e menor risco para os pacientes, alguns pontos são almejados: Prescrição segura, avaliação cuidadosa de risco, monitoramento sistemático do uso do medicamento e orientação apropriada e clara, para os responsáveis, quanto ao armazenamento e uso adequado.

Por fim, vale ressaltar que são escassos os estudos quanto à eficiência de outros medicamentos para o manejo da dor oncológica, o que limita a variedade de condutas medicamentosas.

Bom, além de tudo isso dos opioides, temos algumas outras possibilidades: o Acetaminofeno e o Ibuprofeno, analgésicos para leve à moderada dor, podem ser alternativas, ou co-analgésicos, para a morfina. Ademais, existem ainda os adjuvantes que, além de serem utilizados para seus propósitos específicos, têm ação analgésica: Gabapentina e Pregabalina - antiepilépticos; Amitriptilina - antidepressivo; Diazepam - Ansiolítico; Propofol, Ketamina e Lidocaína - anestésicos.

ALTERNATIVA NÃO FARMACOLÓGICA

Existem ainda alternativas complementares não farmacológicas para o manejo da dor na oncopediatria. De acordo com a revisão integrativa da literatura de Paes (2021), métodos diversos, como Musicoterapia, Acupuntura, Meditação e Massoterapia, podem ter ampla eficácia para complementar o controle de sinais e sintomas físicos e psicológicos, para diminuir efeitos adversos das medicações e, consequentemente, para aumentar a capacidade da criança de deambular e seus níveis de energia. O estudo traz ainda a possibilidade, ainda em análise, de tais tratamentos não farmacológicos serem capazes de permitir a redução da dosagem dos analgésicos. Ainda que tal possibilidade ainda esteja engatinhando, os relatos dos pacientes de grande alívio da dor e tensão, sensação de relaxamento e de leveza, além da melhora de humor e da promoção de uma atenção especializada, já se mostram suficientes para considerarmos as benesses dessas intervenções.

REFERÊNCIAS

PAES, Thaís Victor; SILVA-RODRIGUES, Fernanda Machado; ÁVILA, Lívia Keismanas de. Métodos Não Farmacológicos para o Manejo da Dor em Oncologia Pediátrica: evidências da literatura. Revista Brasileira de Cancerologia, São Paulo, v. 67, n. 2, p. 1-9, 1 mar. 2021.

DUFFY, Elizabeth A. et al. Perspectives on Cancer Pain Assessment and Management in Children. Seminars In Oncology Nursing, Ann Arbor, v. 35, n. 3, p. 261-273, jun. 2019.

SEDREZ, Elisa da Silva; MONTEIRO, Janine Kieling. Pain assessment in pediatrics. Revista Brasileira de Enfermagem, [S.L.], v. 73, n. 4, p. 1-9, 2020.

HOFF, Paulo Marcelo Gehm. Tratado de oncologia. São Paulo: Atheneu, 2013. 2829 p.

DESANTANA, Josimari Melo; PERISSINOTTI, Dirce Maria Navas; OLIVEIRA JUNIOR, José Oswaldo de; CORREIA, Luci Mara França; OLIVEIRA, Célia Maria de; FONSECA, Paulo Renato Barreiros da. Definition of pain revised after four decades. Brazilian Journal Of Pain, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 197-198, 2020.


Autoria: 

 

Natasha Gabriela de Oliveira Maia, Centro Universitário Unifas - UNIME, 7º semestre, integrante da Diretoria de Comunicação da Liga Acadêmica de Oncologia da UFBA e amante de bons livros. 

Walter Lima de Barros Neto, estudante de medicina da UFBA, componente da Diretoria de Comunicação da LAON, hipocondríaco em tratamento.

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