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PRINCÍPIOS DA QUIMIOTERAPIA

 


1 DETECÇÃO E DIAGNÓSTICO DO CÂNCER


O tratamento do câncer é um dos aspectos mais complexos no cuidado médico e requer atuação de diversos profissionais (clínicos gerais, radioterapeutas, cirurgiões, farmacêuticos, patologistas, fisioterapeutas) que são extremamente necessários para realizar o planejamento e avaliar as características específicas de cada paciente. Antes de entendermos o que é exatamente a quimioterapia, é necessário compreender como identificar e diagnosticar um câncer.

A identificação pode ocorrer de formas diferentes a depender do tipo de câncer, porém existe uma característica que se aplica a diversos tipos que é o intumescimento localizado que reflete o aumento da pressão do líquido intersticial, bem como da massa celular e da massa de estroma por volume. Além do intumescimento, os tumores podem apresentar alterações na função do órgão que acometem como a dispneia ao esforço devido a anemia causada pela leucemia, a presença de icterícia quando o acometimento é na árvore hepatobiliar ou até mesmo com convulsões devido a tumores cerebrais. Podem ainda se manifestar de acordo com as substâncias que eles secretam, resultando então em uma síndrome paraneoplásica. Outra forma de identificação do tumor é a partir de um exame físico minucioso em uma consulta médica e realização de alguns exames complementares como a radiografia, tomografia computadorizada (TC), ultrassom, tomografia por emissão de pósitron (PET-CT) ou a ressonância magnética.

Uma vez identificada a provável existência de um tumor, é necessário estabelecer o diagnóstico que habitualmente é obtido a partir de uma biópsia e exame patológico. É a partir desse exame que será identificado as anormalidades genéticas, padrões de expressão de proteínas e presença de receptores hormonais como acontece no câncer de mama. Todas essas informações acerca do tumor são essenciais e irão ajudar no diagnóstico diferencial, no prognóstico do paciente e principalmente na escolha do tratamento mais responsivo aquele tipo de tumor. A biópsia pode ser realizada de quatro formas diferentes, a primeira é a biópsia excisional onde toda a massa tumoral é removida com uma pequena margem de segurança do tecido que se encontra normal. Caso não seja possível realizar a biópsia excisional, a biópsia incisional é o procedimento de segunda escolha. Nesse procedimento, realiza-se a retirada de uma parte do tecido tentando incluir a maior parte do diâmetro transversal do tumor. Existe ainda a biópsia por agulha grossa, onde se obtém uma quantidade consideravelmente menor de tecido, porém geralmente fornece informações suficientes caso haja necessidade de um procedimento cirúrgico definitivo. Por fim, temos a biópsia por agulha fina, que é considerada como um procedimento minimamente invasivo, retirando apenas uma suspensão de células do interior da massa tumoral.


2 ESTADIAMENTO


Além das informações colhidas pela biópsia, outro componente importante para estabelecer o tratamento mais adequado em um paciente, é definir a extensão da doença, ou seja, o estadiamento. Existem diversos tipos de estadiamento, porém o mais utilizado e útil para a maioria dos tipos de cânceres é o sistema TNM que é preconizado pela União Internacional de Controle do Câncer (UICC). O componente “T” tem relação com o tamanho do tumor ou com sua invasão em estruturas locais, o componente “N” indica o número e a natureza de grupos de linfonodos adjacentes ao tumor com acometimento e o componente “M” informa presença de metástases locais ou a distância. Os componentes TNM são então relacionados aos estágios que variam de I, II, III ou IV, a depender do sítio anatômico. Geralmente os tumores de estágio I são classificados como T1, refletem então seu tamanho pequeno. Já o N0 ou N1 indica disseminação ausente ou mínima de linfonodo e M0 ausência de metástase. Como exemplo, temos a imagem abaixo que mostra o estadiamento para o câncer de pênis.



Imagem 1. Estadiamento TNM proposto pela UICC e AJCC para câncer de pênis

Fonte: (REIS, 2008)

Quando os tumores estão classificados em estágio inicial, o mais indicado é realizar abordagens curativas com tratamentos localizados. Já os tumores em estágio IV geralmente apresentam metástase a distância ou invasão local de vísceras não sendo possível realizar uma excisão, sendo então tratado com o uso de técnicas paliativas. É importante salientar que o estadiamento TNM não será útil em alguns casos como na leucemia onde a infiltração da medula óssea nunca é localizada ou nos tumores do sistema nervoso central (SNC) onde a histologia do tumor e a extensão de ressecção anatomicamente possível serão mais determinantes no prognóstico do paciente.


3 TIPOS DE TRATAMENTO

Após realizado o estadiamento, é necessário conhecer os tipos de tratamentos disponíveis atualmente. No tratamento de um câncer, o objetivo principal é erradicá-lo. Caso essa meta não seja possível, os tratamentos passam a ser de paliação, apenas com a melhora dos sintomas, preservação da qualidade de vida e um esforço para prolongá-la. Quando a cura é possível, a escolha pelo tratamento geralmente é acompanhada por toxicidades graves e potencialmente fatais. Os tratamentos são divididos em dois tipos principais, os locais e sistêmicos. Os tratamentos locais são a cirurgia, radioterapia (incluindo a terapia fotodinâmica) e abordagens ablativas (incluindo radiofrequência e criocirúrgicas). Já os tratamentos sistêmicos são a quimioterapia (incluindo a terapia hormonal e terapia-alvo) e a terapia biológica (incluindo imunoterapia). O mais comum é a combinação das modalidades de tratamento e os agentes de cada categoria podem atuar por vários mecanismos. Exemplo disso é quando a quimioterapia induz diferenciação e os anticorpos podem ser usados como veículo na radioterapia.




4 QUIMIOTERAPIA

A quimioterapia se caracteriza pela atuação de drogas citotóxicas, ou seja, drogas que tem como objetivo destruir a célula pela toxicidade e pelo bloqueio no processo de replicação. Lamentavelmente os agentes quimioterápicos apresentam a propriedade de ter seus alvos presentes tanto em tecidos saudáveis quanto tumorais, sendo assim, a quimioterapia sempre irá produzir efeitos tóxicos ao paciente, que por sua vez devem ser bem analisados para que de fato o efeito terapêutico se sobreponha ao efeito tóxico.


4.1 Modalidades e Vias de administração

A depender do tipo de câncer pode ser adotado a monoquimioterapia (apenas uma droga) ou a poliquimioterapia (drogas com mecanismos diferentes sendo combinadas), sendo esta última a mais utilizada. Atualmente existem seis formas de administração da droga, podem ser via oral (em forma de comprimidos, cápsulas e líquidos, que você pode tomar em casa), via intravenosa (a medicação é aplicada na veia ou por meio de cateter), via intramuscular (a medicação é aplicada por meio de injeções no músculo), via subcutânea (a medicação é aplicada por meio de injeção no tecido gorduroso acima do músculo), via intratecal (a medicação é aplicada no líquor, administrada pelo médico, em uma sala própria ou no centro cirúrgico), via tópica (medicamento, que pode ser líquido ou pomada, é aplicado na pele). Geralmente a administração é feita a nível ambulatorial durando de 1 a 6 horas e sendo periodizada por ciclos, porém a depender, alguns pacientes podem ser internados no hospital durante o tratamento.

Existem quatro formas de realizar a quimioterapia, a primeira é a quimioterapia adjuvante, que acontece quando o tratamento é realizado logo após a cirurgia curativa, tendo como objetivo de esterilizar células residuais localizadas ou circulantes, diminuindo assim a chance de metástase. A segunda forma é a quimioterapia neoadjuvante, onde o tratamento acontece antes da cirurgia e tem como objetivo reduzir o tamanho do tumor previamente a cirurgia ou radioterapia. A terceira é a quimioterapia paliativa, que é feita sem intenção de cura e sim de melhorar a qualidade da sobrevida do paciente. Por fim existe a quimioterapia de manutenção, onde o paciente já realizou a quimioterapia previamente, porém irá realizar novamente com doses mais baixas.


4.2 Critérios e Escalas para Avaliação do Paciente

Devido aos efeitos tóxicos da quimioterapia, o INCA sugere utilizar alguns critérios para aplicação do tratamento com objetivo de evitar efeitos tóxicos intoleráveis e que possam colocar em risco a vida do paciente.

São eles:

Condições Gerais do Paciente:

Menos de 10% de perda do peso corporal desde o início da doença
Ausência de contra-indicações clínicas para as drogas selecionadas
Ausência de infecção ou infecção presente, mas sob controle
Capacidade funcional correspondente aos três primeiros níveis, segundo os índices propostos por Zubrod e Karnofsky


Contagem das células do sangue e dosagem de hemoglobina (valores para crianças são menores):

Leucócitos maior que 4.000/ mm cúbico
Neutrófilos maior que 2.000/ mm cúbico
Plaquetas maior que 150.000/ mm cúbico
Hemoglobina maior que 10 g/ dl


Dosagens séricas:

Uréia menor que 50 mg/ dl
Creatinina menor que 1,5 mg/ dl
Bilirrubina total menor que 3,0 mg/ dl
Ácido úrico menor que 5,0 mg/ dl
Transferases (transaminases) menor que 50 UI/ ml

Outro critério muito utilizado é o Performance Status Scale - ECOG e a Escala de de Karnofsky que avaliam o nível de capacidade do paciente de cuidar de si mesmo, realizar atividades diárias e atividade física (caminhar, trabalhar, etc).


Imagem 1. Escalas de Zubrod (ECOG) e Karnofsky

Fonte: (Instituto do Câncer Rio Preto, 2022)

A escala ECOG para avaliar o PS (Performance Status) é considerada uma ferramenta simples na prática clínica. A capacidade observada no paciente, é graduada em graus de 0 a 5, onde 0 indica um paciente completamente ativo e 5 é atribuído ao paciente morto. A partir disso, o PS passa a ter relação com os graus, sendo então classificados como PS0 (Performance Status 0), PS1, PS2, PS3 e PS4. Quando há potencial de cura, os pacientes mais debilitados como no caso do PS3 e PS4 até podem ser tratados, porém seu prognóstico costuma ser inferior. Já o Karnofsky Performance Status (KPS) é uma pontuação que varia de 0 a 100 a depender da capacidade do paciente de realizar as atividades diárias e da assistência que necessitam. Geralmente é muito utilizado para avaliar o progresso de um paciente após um procedimento terapêutico e para determinar sua capacidade para terapia. É necessário que em cada consulta realizada seja atribuída uma classificação ao paciente de acordo com os sintomas e seu estado geral. Só após essa avaliação é que a quimioterapia é iniciada.


4.3 Principais Efeitos Colaterais

Devido aos seus efeitos colaterais, a quimioterapia é sempre muito temida pelos pacientes. Dentre os efeitos colaterais gerados no tratamento, podem apresentar:

Mielossupressão: Condição na qual a atividade da medula óssea é diminuída, resultando em menor número de glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas;


Náuseas e Vômitos: Podem ocorrer durante o tratamento, após ou dias depois a administração da químio;


Diarreia: Os medicamentos atuam sobre as células sadias que recobrem internamente o intestino delgado e o intestino grosso, fazendo com que a eliminação das fezes seja mais rápida;


Mucosite: Inflamação da parte interna da boca e da garganta que pode levar a úlceras dolorosas e feridas nessas regiões;


Alopécia: A queda acontece porque os quimioterápicos têm “avidez” pelas células que possuem alta taxa de crescimento e multiplicação;


Disfunção Gonadal: Pode afetar os níveis de vários hormônios, nos homens, a baixa de testosterona é um dos problemas hormonais mais comuns, causando vários efeitos clínicos, incluindo diminuição da libido, baixa contagem de espermatozóides, disfunção eréctil e ginecomastia;


Efeitos Teratogênicos em pacientes grávidas: A quimioterapia não é administrada durante os primeiros 3 meses da gravidez pois a maioria dos órgãos internos do bebê se desenvolve durante esse período, tendo um risco deletério maior ao embrião. A partir do segundo semestre evidencia-se menor risco, sendo então o período mais adequado para adesão ao tratamento.




5 AGENTES QUIMIOTERÁPICOS

Exemplificando alguns desses nichos quimioterápicos, existem alguns que interferem diretamente no DNA, os chamados “Agentes de Interação com o DNA”. Eles são subdivididos entre agentes “fase-específicos”, os quais necessitam que a célula esteja em uma determinada etapa do ciclo celular para que alcancem seu efeito máximo e os agentes “fase-inespecíficos”, que podem atuar em qualquer etapa do ciclo celular. É importante mencionar que o ciclo celular é gerido e muito bem controlado por checkpoints que fazem o necessário para manter a célula em função vital, seja reparando os erros – que podem ser causados por esses fármacos – e até mesmo levar a apoptose celular (morte planejada).


O ciclo celular. Fonte: A Level Biology

Dentro da classe de agentes inespecíficos existem os agentes alquilantes, muito utilizados por sua forma de ação, que visa modificar de forma covalente as bases de DNA, gerando a ligação cruzada entre as fitas ou ocorrência de quebras no DNA como resultado do esforço de reparo. Esse mecanismo é um forte ativador de checkpoints e findam quase sempre em apoptose. Um fato importante ao se considerar agentes alquilantes é que, além das toxicidades comuns compartilhadas por eles e outros medicamentos, tal qual: mielossupressão, alopecia, disfunção gonadal, mucosite e fibrose pulmonar, esses agentes também podem “causar” segundas neoplasias, anos após a sua administração, principalmente se por períodos prolongados. Um outro ponto preponderante no uso de alquilantes são os cuidados com o fígado e doenças relacionadas, por isso a hidratação deve ser considerada fator primordial e até mesmo deve-se considerar o uso de medicamentos secundários, como o Mesna, para prevenir essa toxicidade. Utilizando de química fina para observar uma casualidade foi possível obter a Cisplatina, um medicamento que também interage com o DNA, formando ligações cruzadas. A administração desse fármaco deve ser feita com diurese forçada com manitol para prevenção de lesão renal. Outros efeitos tóxicos são a neuropatia sensitiva motora em meias-e-luva e a perda auditiva de até 50% dos pacientes tratados com doses convencionais.

5.1 Antibióticos Antitumorais

São substâncias produzidas por bactérias que tem função de promover uma barreira química contra outros microrganismos. Já utilizados como medicamento, tem a função de gerar radicais livres com proximidade ao DNA, gerando danos à molécula como quebra de fita simples ou ligações cruzadas. A DNA Topoisomerase é uma enzima que desempenha um importante papel nos processos de replicação e empacotamento de DNA e dentro da classe de antibióticos existem os “venenos de topoisomerase”, que são substâncias semissintéticas derivadas de plantas ou produtos naturais que interagem com as enzimas, impedindo-as de desempenhar seu papel, sendo quase sempre letal à célula. Um exemplo disso é a Doxorrubicina, que se intercala ao DNA, alterando a sua estrutura e impedindo a função da topoisomerase II. Um importante que tem sido estudada para essa substância é a cardiotoxicidade, que tem apresentado resultados importantes, como a miocardiopatia crônica. A Mitoxantrona é um composto sintético desenvolvido para ter o mesmo fim da doxorrubicina porém com menor taxa de cardiotoxicidade.

5.2 Antimetabólitos

Os antimetabólitos são compostos que tem semelhança estrutural aos precursores de purina e pirimidina, podendo causar danos ao DNA por incorporação indevida, anormalidade na progressão ou no tempo da síntese do DNA e mudança na função das enzimas de biossíntese de purinas e pirimidinas. Em S tem seu maior grau de toxidade, tendo incluído estomatite, diarreia e mielossupressão. O metotrexato é um inibidor de uma enzima importante para produção de bases nitrogenadas, em específico a Timina. Essa enzima (di-hidrofolato-redutase) é responsável pela regeneração de folatos cujo a ausência impede a realização da síntese de timina.


Rota Metabólica do Folato – Metionina. Fonte: BRABIN, 2003



5.3 Inibidores do fuso mitótico

Os microtúbulos são estruturas essenciais no ciclo celular pois formam o fuso mitótico, arcabouço celular onde ocorrem vários processos de migração e secreção. São constituídos por complexos multiméricos repetitivos e os inibidores atuam causando a degradação dessas ligações. Os taxanos, muito utilizados em tumores sólidos (que caracterizam-se pelo crescimento anormal do número de células de um tecido, Gavhane et alii., 2011) atuam “estabilizando” as ligações dos microtúbulos, fazendo-os funcionar de maneira anormal, pois após essa estabilização induzida eles se tornam incapazes de sofrer alterações dinâmicas estruturais e funcionais, extremamente necessárias para completar o ciclo celular.


6 QUIMIOTERAPIA ALVO

As quimioterapias-alvo são medidas terapêuticas que visam, primordialmente, agir de forma específica em relação a diversos fenótipos que as neoplasias sólidas ou hematológicas possuem e por serem específicas, tornam-se um tratamento menos mórbido proposto ao paciente. Entretanto, deve-se considerar que há uma grande heterogeneidade dentro de uma mesma neoplasia, mostrando que nem todos os tumores são iguais, uma vez que diversas mutações podem estar presentes para que aquela neoplasia em si engendre-se. Dessa maneira, diversas terapias alvo foram criadas, dentre elas as direcionadas para receptores hormonais, as guiadas por diagnóstico e as para as vias ativadas por oncogenes, sendo essas melhor elucidadas a posteriori.




6.1 Terapia direcionada para receptores hormonais


Deve-se considerar primeiramente que os hormônios podem atuar como fatores de crescimento para certos tipos de tumores. Dessa maneira, surgiu uma nova modalidade de tratamento que utiliza antagonistas ou agonistas de hormônios, atuando nas alças de feedbacks que podem agir na biologia específica de cada tumor. Assim sendo, as moléculas relacionadas com os receptores de hormônios esteróides, por exemplo, surgiram como alvo relevante para pequenas moléculas úteis no tratamento do câncer, uma vez que são capazes de alterar a transcrição gênica e, em certos tecidos, induzir apoptose. Vale ressaltar que em alguns casos, deve ser demonstrada a presença ou não de receptores específicos. Exemplificando tal fato, no câncer de mama é necessária a demonstração do receptor hormonal alvo, em outros casos, como no câncer de próstata, que possuem receptores para androgênios e nas neoplasias linfóides que possuem o receptor de glicocorticóides, esses receptores em questão estão sempre presente no tumor.

Como um dos principais agentes da terapia direcionada para receptores hormonais temos o Tamoxifeno, este fármaco é um antagonista parcial dos receptores de estrogênio, apresentando uma atividade antitumoral 10 vezes maior em pacientes com câncer de mama, cujos tumores expressam receptores de estrogênio do que naquelas com baixo ou nenhum nível de expressão do receptor. Entretanto, mesmo tendo sua seletividade, essa molécula pode trazer repercussões ao paciente que utilizá-la em seu itinerário terapêutico, como efeitos cardiovasculares e uterotrópicos.

Outro exemplo são os inibidores da aromatase, utilizados em pacientes com HER+, inibem a ação catalisadora da aromatase na conversão do estrogênio em vários tecidos, como no ovário e o tecido adiposo periférico, bem como em algumas células tumorais, esse inibidores se dividem em dois tipos: os análogos de esteroides irreversíveis, como o exemestano, e os inibidores reversíveis, como o anastrozol, o qual é superior ao tamoxifeno em adjuvância, pacientes menopausadas e com HER+. Deve-se considerar, por fim, os efeitos adversos dos inibidores da aromatase, podendo incluir maior risco de osteoporose, por exemplo.

Outrossim, em pacientes que possuem linfomas e leucemias podem ser utilizados glicocorticóides, os quais, em geral, são administrados “em pulsos” de altas doses, que irá induzir à morte celular das células tumorais, porém vale salientar que as altas doses desses medicamentos pode gerar síndrome de Cushing e a supressão inadvertida das glândulas suprarrenais. Ademais, em pacientes com cânceres de próstata o tratamento é feito com privação androgênica. Assim sendo, se o tratamento cirúrgico (orquiectomia) não for uma opção para o paciente, utiliza-se a supressão do androgênio testicular, podendo ser efetuada por agonistas do hormônio liberador do hormônio luteinizante (LHRH), leuprorrelina e a gosserrelina, que vai atuar como inibidor da secreção de gonadotrofina quando administrado continuamente. Pode-se utilizar como terapia antagonistas androgênicos, como a enzalutamida e inibidores de aromatases, como a abiraterona.



6.2 Terapia-alvo guiada por diagnóstico

Nessa modalidade de quimioterapia-alvo é necessária previamente a demonstração, por meio de análises moleculares, a presença de mutações e proteínas específicas para a utilização racional dos fármacos. Como em tumores hematológicos, que precisa da demonstração de mutação na proteína tirosina-cinase p210 para a utilização do imatinibe.

Os fármacos guiados por diagnóstico atuam, na maioria dos casos, interrompendo as vias de sinalização mediadas pelo fator de crescimento celular. Dessa maneira, há diversos pontos dessa via que as moléculas desenvolvidas podem atuar, como nas tirosinas-cinases, RAFs, MAPs, MEKs e mTOR.

A luz de tais fatos, o erlotinibe e o afatinibe são exemplos de inibidores da receptor do fator de crescimento epidérmico tirosina-cinase. Como já citado, o imatinibe pode atuar na tirosina-cinase não receptora BCR-ABL ou em c-KIT tirosina-cinase ligada à membrana. O vemurafenibe e o dabrafenibe, entretanto, atuam na isoforma B de RAF apenas no melanoma, e c-RAF é inibido pelo sorafenibe, o trametinibe atua sobre MEK. Além disso, existe o tensirolimo e o everolimo que inibem a mTOR-cinase para infrarregular a tradução de mRNAs oncogênicos. MAP, proteína ativada por mitógeno; MEK, cinase regulada por sinal de mitógeno extracelular.



6.3 Para vias ativadas por oncogenes

Como na modalidade anterior de tratamento os alvos são moléculas altamente específicas na promoção da viabilidade das células tumorais, porém não necessitam comprovação diagnóstica da presença de determinado alvo ou de uma variante do alvo, o que difere da modalidade das terapias-alvo guiada por diagnóstico.

Há diversas moléculas e formas de tratamento para vias ativadas por oncogenes, antagonistas da cinase “multidirigidos” os quais são antagonistas direcionados para o sítio do ATP na via do VEGFR, que vão inibir mais de uma proteína-cinase e mostram efeito no tratamento de diversos tumores sólidos, tendo como os principais o sorafenibe, regorafinibe, pazopanibe, podendo causar efeitos adversos como hipertensão e proteinúria. Há os inibidores da mTOR, como o everolimo e o tensirolimo, inibidores de proteossomas, como o bortezomibe utilizado em neoplasias hematológicas e inibidores da histonas-desacetilase, que são responsáveis pela manutenção da orientação adequada das histonas no DNA, como o vorinostat usado em linfomas.

As várias terapias que afetam as vias ativadas por oncogenes incluem a possibilidade toxicidade hepática e cardíaca que são de difícil predição (imatinibe, dasatinibe, sorafenibe, pazopanibe), podendo existir comprometimento de condução cardíaca, incluindo prolongamento do intervalo QT (pazopanibe) e fibrilação atrial (ibrutinibe). Dessa maneira, mesmo sendo altamente específicas e com a capacidade de causar menos morbidade no tratamento oncológico, em relação às quimioterapias-alvo deve ficar sempre atento a benevolência X maleficência e individualizar cada caso oncológico, criando um plano e itinerário terapêutico único e eficaz para os pacientes.


REFERÊNCIAS


Estadiamento do Câncer. Instituto do Câncer Rio Preto. Disponível em: <https://incariopreto.com.br/estadiamento-do-cancer/>. Acesso em: 12 Feb. 2022.

LARRY JAMESON, J. Medicina interna de Harrison. 20 ed. Porto Alegre: AMGH Editora, 2020. 2 v, .

OKEN MM, Creech RH, Tormey DC, Horton J, Davis TE, McFadden ET, Carbone PP. Critérios de toxicidade e resposta do Eastern Cooperative Oncology Group. Am J Clin Oncol. 1982.




REIS, Angela Adamski da Silva; PAULA, Leonardo Barcelos de; PAULA, Adriano Augusto Peclat de; et al. Aspectos clínico-epidemiológicos associados ao câncer de pênis. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. suppl 1, p. 1105–1111, 2010.




SCHULZE, Marília Martins. Tratamento Quimioterápico em Pacientes Oncológicos. Rev. Brasileira de Oncologia Clínica, 2007. Vol 4 nº 12.




AUTORES E REVISORES:






Nome: Vanessa Pires Ramalho

Acadêmica do 5º Semestre

Diretoria de Pesquisa






Nome: Davi Monteiro Santos

Acadêmico do 2º Semestre

Diretoria de Comunicação






Nome: João Victor Matos Barbosa

Acadêmico do 2º Semestre

Diretoria de Pesquisa




Revisores:






Nome: Pedro Resende Ferreira Rende

Acadêmico do 7º Semestre

Diretoria de Comunicação






Nome: Sophia Viana de Souza

Acadêmica do 3º Semestre

Diretoria de Extensão










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