Etiologia e Epidemiologia
Quando pensamos no câncer de mama associado à gestação, primeiro precisamos compreender o por que de sua denominação. Ele ocorre durante o período de gestação ou em até 12 meses após o parto e é uma das neoplasias mais comumente diagnosticadas durante a gravidez. Sua incidência é de cerca de 10 casos por 100.000 pessoas, a qual tem sofrido um aumento por conta da maior idade das mulheres em sua primeira gestação.
Os fatores de risco envolvidos no desenvolvimento de câncer de mama associado à gestação não diferem muito dos encontrados no câncer de mama em outras situações. Sexo feminino, idade, idade de menarca, exposiçao estrogênica, peso, exposiçao à progesterona, níveis de testosterona, densidade mamária, raça/etnia, fatores reprodutivos, histórico familiar, exposiçåo ao IGF-1, álcool/fumo, toxinas ambientais, exposiçao à radiação ionizante, hiperplasia atípica e carcinoma de endométrio ou carcinoma de mama contralateral.
Fisiopatologia/Patogenia
Durante o desenvolvimento embrionário normal, as células da mama se proliferam, migram e invadem outros compartimentos, sendo que os carcinomas mamários podem ser encarados através do viés esporádico, como decorrentes de uma exposição hormonal, ou através de um viés hereditário, resultante de mutações em genes como o BRCA1, BRCA2 e TP53, sendo que as diferentes combinações de mutações influenciam no caráter ER-positivo, ER-negativo, HER2-negativo entre outras características, as quais têm impacto direto nos tratamentos de escolha para cada paciente.
A progressão tumoral consiste no surgimento de células neoplásicas que se desenvolvem a partir dos chamados “Hallmarks of Cancer” e pode resultar em diversos tipos histológicos e três subtipos moleculares:
RE-positivo/HER2-negativo
HER2-positivo
RE-negativo/HER2-negativo (Duplo negativo)
Manifestações clínicas
É interessante relembrar que a fisiologia das mamas na gravidez pode ser um fator confundidor no diagnóstico de um câncer de mama. As mamas tendem a sofrer ingurgitamento mamário, hipertrofia e descargas papilares espontâneas. Por isso, a atenção deve ser redobrada para alterações como: nodulações mamárias não dolorosas e de limites regulares, descarga papilar sanguinolenta, linfonodos axilares aumentados, edema na pele da mama (aspecto de casca de laranja), eritema na pele, retração da papila mamária, inversão do mamilo, prurido da papila mamária, erosão da papila mamária, alteração unilateral do tamanho e forma da mama e inchaço na axila ou ao redor da clavícula.
Diagnóstico/Rastreio
Embora 80% das lesões mamárias encontradas na gestação sejam benignas, em vista da crescente prevalência de câncer de mama durante a gravidez, a existência de alguns fatores de risco tem sido questionada. A principal causa apontada é o fato de as mulheres estarem cada vez mais adiando a época da primeira gestação, fazendo com que patologias mais comuns em mulheres em idade avançada venham a ocorrer concomitantemente a uma gravidez. Paralelamente a isso, a incidência dessa neoplasia em grupos etários mais jovens pertencentes a famílias de risco também sofre tendência a elevações, colocando em pauta indagações sobre se os hábitos de vida da mulher podem influenciar no acometimento do câncer de mama.
O diagnóstico clínico costuma ser dificultado em razão das alterações fisiológicas sofridas pela mama durante o período gestacional, como hipervascularização, hipertrofia e ingurgitamento, acarretando em atraso no diagnóstico em grávida.
De uma forma geral, a gestante deve ser investigada seguindo a rotina de pacientes com o diagnóstico de câncer de mama com os exames de imagem e biópsia da lesão quando necessárias.
A investigação das alterações mamárias com métodos de imagem em pacientes grávidas requer uma experiência adicional do examinador devido ao aumento da vascularização e da densidade mamária e edemas encontrados nas mamas das gestantes, o que dificulta a interpretação desses exames.
A identificação de nódulo em mama ao exame físico em mulher grávida ou lactante exige avaliação imediata. Dentro da propedêutica complementar, a mamografia apresenta efetividade controversa. A diminuição de sensibilidade da mamografia, com elevação dos índices de falsos-negativos, deve-se ao aumento na secreção de líquidos, à perda do conteúdo gorduroso, à intensa vascularização, à intensificação da celularidade e ao aumento da densidade do parênquima na mama gravídica.
Embora haja dúvidas a respeito da efetividade e exatidão da mamografia em grávidas ou lactantes, este exame não apresenta contraindicação de ser realizado durante gestação, utilizando-se, de preferência, proteção abdominal. A mamografia expõe o feto a apenas 0,0004 Gy e essa irradiação não apresenta risco de lesão fetal (REZENDE et al., 2005).
Para Grendys Jr., a USG está clinicamente indicada no diagnóstico de tumoração mamária na gravidez por ser método seguro durante todo o período gestacional. Esta técnica consegue distinguir lesões císticas de sólidas em 97% das pacientes. Se, ao ultrassom, o nódulo possuir dimensão inferior a 1cm, forma arredondada ou oval, contorno liso, ausência de distorção do parênquima em pacientes de baixo risco, pode-se adotar conduta expectante até o parto. Todavia, se o nódulo apresentar características que indiquem malignidade, como bordos irregulares e distorção de arquitetura, o estudo anatomopatológico é indicado.
Além de especificar as características dos nódulos, a USG tem importância na orientação de punção aspirativa por agulha fina (PAAF), possibilitando obtenção de material para citologia oncótica ou anatomopatológica e triagem do câncer. Esse tipo de biópsia utilizando trocarte (core biopsy ou mamotomia), guiado pela USG, obtém fragmentos de tecido que proporcionam resultado anatomopatológico mais preciso, para aumentar a exatidão do diagnóstico por PAAF, deve-se informar ao patologista que se trata de paciente grávida, pois
pode haver altos índices de casos falsos positivos, devido ao aumento das mitoses e da celularidade na mama gravídica.
Acredita-se que a ressonância magnética durante a gravidez seja aceitável, uma vez que não envolve radiação ionizante, todavia, embora não envolva irradiação, a RM apresenta diversas desvantagens que limitam seu uso como método diagnóstico de câncer
Tratamento
A estratégia terapêutica em pacientes com câncer de mama associado à gestação deve levar em consideração o tipo de tumor, o estádio da doença, a idade gestacional no momento do diagnóstico e o desejo da paciente e dos familiares. O tratamento proposto deve aproximar-se ao máximo do tratamento proposto para pacientes não grávidas com o mesmo estádio clínico e o intuito do mesmo deve ser o de não postergar o tratamento da paciente ao mesmo tempo em que se deve evitar a prematuridade iatrogênica.
Cirurgia
Por algum tempo, a mastectomia radical modificada foi considerada o tratamento padrão-ouro para o câncer de mama associado à gestação. O tratamento conservador das mamas consiste em setorectomia e radioterapia adjuvante. Esta pode expor o feto à uma dose de radiação que fica entre 0,1 Gy no início da gestação a 2 Gy no final da gestação — dose que está muito acima do aceitável para o feto sem risco de teratogênese. No entanto, a radioterapia pode ser postergada em quatro meses após a cirurgia sem prejuízo no risco de recorrência local. Se a quimioterapia está indicada após a setorectomia ou a mastectomia, esse número é ainda maior e pode-se aguardar até seis meses para o início do tratamento radioterápico sem prejuízo ao risco materno.
A cirurgia das mamas pode ser realizada de forma segura em qualquer trimestre da gestação com risco mínimo para o desenvolvimento fetal. Tanto a mastectomia radical modificada quanto a cirurgia conservadora das mamas (com dissecção axilar ou do linfonodo sentinela) podem ser realizadas.
Quimioterapia
O efeito da administração de drogas citotóxicas na gestação depende da idade gestacional em que a exposição ocorre. Durante o primeiro trimestre (mais especificamente entre 10 dias e 8 semanas), o maior risco seria de malformações fetais ou abortamento. O segundo e terceiro trimestres são caracterizados, principalmente, pela maturação e crescimento fetal e um tratamento citotóxico nestas fases não se associa a malformações fetais, embora alguns pesquisadores tenham relatado restrição de crescimento intrauterino, óbito fetal e neonatal, prematuridade e supressão hematológica como possíveis efeitos da quimioterapia durante a gestação.
A quimioterapia é indicada na maioria das pacientes jovens com câncer de mama, fato devido à maior agressividade do tumor nesse grupo. A decisão em utilizar a quimioterapia deve seguir as mesmas diretrizes para pacientes com câncer de mama não gestantes, levando em consideração a idade gestacional e o plano de tratamento da paciente (cirurgia e radioterapia complementar).
Anticorpos Monoclonais
A utilização de anticorpos monoclonais deve ser evitada durante a gestação. Ao analisar 12 pacientes que foram expostas ao trastuzumab, 8 gestantes apresentaram oligodrâmnio ou adramnia, sendo que, desses casos, 4 foram a óbito neonatal devido a falência renal ou insuficiência respiratória.
Tamoxifeno
Embora alguns estudos tenham relatado que o uso de tamoxifeno pode ser seguro e bem tolerado durante a gestação, outros estudos associaram o uso deste medicamento a Síndrome de Goldenhar (displasia oculoauriculovertebral), genitália ambígua e a tríade Pierre Robin. O retardo do início da terapia hormonal não reduz sua eficácia e, quando indicada, deve ser iniciada após o nascimento.
Radioterapia
A exposição fetal a radiação ionizante pode ocorrer tanto pela radioterapia ou pela exposição da gestante a procedimentos diagnósticos, como a mamografia. Os efeitos descritos nos fetos como malformações fetais, anomalias no desenvolvimento ou óbito fetal estão relacionadas diretamente à dose de radiação em que esses embriões foram expostos intra-útero, e aumentam o risco quando a exposição ultrapassa a dose de 0,1 a 0,2.
Prognóstico
A análise comparativa do prognóstico a partir do estadiamento em gestantes e não gestantes não apresenta diferenças significativas. Além disso, estudos retrospectivos mostram não haver aumento da sobrevida nas pacientes submetidas ao aborto.
O valor exato da identificação dos receptores dos hormônios esteróides de câncer de mama em mulheres grávidas não está bem estabelecido. Os métodos atuais não diferem a ocupação dos receptores por hormônios endógenos, sendo frequentementemente considerados negativos para; Berry et al. (1999). Há demonstração de que 60% das pacientes apresentam receptor de estrógeno negativo pelo estudo imunohistoquímico, o qual avalia a expressão da proteína receptora responsável pela interação entre a célula neoplásica e o hormônio estrogênico.
Os três principais fatores determinantes no risco relativo de morte materna são: o padrão histológico do tumor, a idade materna e o número de linfonodos comprometidos. O prognóstico é pior em estádios mais avançados do tumor e em gestantes mais jovens. A presença de metástases em linfonodos é o fator prognóstico de maior relevância na determinação do risco de recidiva local, metástases à distância e sobrevida
REFERÊNCIAS:
Prognosis of pregnancy-associated breast cancer. Breast Cancer Res Treat.2017 Jun; 163(3):417-421
Harris 5 ed. 2014
Toppenberg KS, Hill DA, Miler DP. Safety of radiographic imaging during pregnancy. Am Fam Physician. 1999 Apr 1;59(7):1813-8,1820
Código Penal Brasileiro / Código de Ética Médica
Revisores:
Pedro Resende Ferreira Rende
Vitor Hugo Bonfim
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