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CÂNCER E POPULAÇÃO NEGRA

 




BASE DE DADOS



Apesar de, por vezes, os problemas socioeconômicos adentrarem numa zona de falta de confiabilidade de dados, é importante ressaltar que há estudos muito bem realizados que demonstram como os fatores raça, poder aquisitivo e vulnerabilidade social afetam a saúde da população. Assim, antes de, de fato, falarmos dos dados já disponíveis, recomendamos a leitura do artigo “Acessibilidade da População Negra ao Cuidado Oncológico no Brasil: Revisão Integrativa”, caracterizado por uma análise de 13 estudos (coorte e transversal) que presta uma abordagem voltada para variáveis socioeconômicas para neoplasias de mama, próstata e cavidade oral.

SAÚDE: DIREITO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal brasileira de 1988 , em seu Art. 196, defende a saúde como direito de todos e dever do Estado, que deve se utilizar de políticas sociais e econômicas para reduzir riscos e agravos do bem estar populacional. Ainda assim, é indubitável que embora o Estado garanta no papel, na prática nem sempre o cenário supracitado é possível. Partindo do imaginário que a disponibilidade do serviço e oferta (acesso) sejam eficientes, será que a possibilidade de acessar tal serviço (acessibilidade) é?

Aqui, teremos que negar. A acessibilidade é complexa, feita não só por dimensões socioeconômicas, mas também geográficas, culturais e políticas. Se, em um ambiente de atenção primária, a consulta com profissional de saúde só ocorrer das 08h da manhã até às 17h da tarde de segunda a sexta, como uma pessoa que trabalha nesse intervalo fica? Provavelmente, ela terá uma dificuldade exorbitante para conseguir atendimento médico e problemas que poderiam ser atenuados ou extintos serão agravados.

A partir disso, o Brasil reconhece que populações específicas detém maior vulnerabilidade no direito à saúde, então, em 2006, é lançada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que visa garantir e ampliar o acesso à saúde dessa minoria social. Um ponto destacável dessa Política é admitir que o racismo assim como as desigualdades étnico-raciais influenciam no seguimento do cidadão no Sistema Único de Saúde.

ESTUDOS PRÉVIOS

Há três estudos que devem ser mencionados para que tratemos melhor da problemática e consigamos compreender suas nuances, recomendamos a leitura completa de cada um deles, são:

“Fatores associados à não realização do exame de Papanicolaou: um estudo de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil” de Amorim et al. (20006) trouxe como resultado que “prevalências de não realização do exame significativamente mais elevadas as mulheres com idade entre 40 e 59 anos, com até quatro anos de escolaridade, com renda mensal familiar per capita menor ou igual a quatro salários mínimos, com a posse de até nove bens duráveis, que se auto-referiram pretas/pardas e que moravam em domicílios com cinco ou mais pessoas.”

“Racial inequalities in access to women’s health care in southern Brazil” (desigualdades raciais no acesso à saúde da mulher no sul do Brasil) de Bairros et al. (2011), apresentando nos resultados que a prevalência de mulheres negras que nunca fizeram o exame de papanicolau foi superior ao de brancas.


“High incidence of prostate cancer metastasis in Afro-Brazilian men with low educational levels: a retrospective observational study” (Alta incidência de metástase de câncer de próstata em homens afro-brasileiros com baixa escolaridade: um estudo observacional retrospectivo.) de Souza et al., (2013). Este estudo discute achados alarmantes: pacientes que se autorreferiram pretos possuem risco 300% maior de metástase ao diagnóstico.


DISCUSSÃO

Antes de iniciar a discussão desses casos, é importante identificar alguns arcabouços sociais onde se iniciam as diferenças para que essas análises sejam feitas, dentre esses, o racismo institucional está muito ligado aos resultados apresentados. A ideia de Racismo Institucional está ligada ao “fracasso coletivo de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional para as pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos que totalizam em descriminação por preconceito involuntário, ignorância, negligência e esteriotipação racista que causa desvantagem a pessoas de minoria étnica” Documento da Comission for Racial Equality, 1999 apud Sampaio, 2003, p. 82). Ou seja, é a descriminação que ocorre em instituições públicas ou privadas, de forma direta ou indireta que promove a exclusão ou preconceito racial. A nível de Brasil, por mais que a população preta (negros e pardos) seja superior em população, fatores históricos corroboram para que a essa parcela da sociedade seja sempre preterida em relação a pessoas brancas.

Essa situação não é diferente quando se trata de saúde. Apesar de não se ter estudos o suficiente que relatem e tratem o racismo institucional como um determinante para a manutenção da saúde, é notório que esse fator é preponderante nas questões de acesso à saúde, ao serviço público ou privado e também na relação médico-paciente. Por muitas vezes de forma velada, as situações de racismo no âmbito hospitalar são recorrentes e são prejudiciais ao indivíduo, uma vez que minimizam as possibilidades de diálogo das pessoas com o serviço, diminuem a auto-estima e contribuem de forma decisiva na saúde, incluindo a mental, das pessoas afetadas.

Após entender que o Racismo Institucional é, de fato, um fator que interfere no processo de saúde-doença e portanto deve ser combatido, podemos observar que há esforços para desconstruir essa ideia, como a já citada Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que busca alcançar esse ideal de saúde integral, livre de discriminações para a população negra. É a partir dela que o fator raça começa a ser considerado como um padrão em relação a informações epidemiológicas. Mas, para além de dados, a política volta-se também para a educação de profissionais de saúde, pois o combate à ignorância é essencial para desmontar o racismo.

Partindo para os resultados do estudo, para se fazer a análise dos dados observamos três fatores diretamente ligados ao racismo institucional: disponibilidade de dados em relação a fatores de cor e raça, de acesso à exames, o qual está intrinsecamente relacionado ao fator socioeconômico e político-racial e data da descoberta, que para pessoas com acesso a uma rede de saúde funcional é mais precoce, fato que afeta consideravelmente as respostas ao tratamento.

Numa perspectiva geral, todos os estudos citados na revisão trazem resultados consideralvemente negativos, tais como: menor rastreio de câncer de mama para mulheres negras, fato que está ligado diretamente a má distribuição do acesso à saúde na Federação - Sul e Sudeste são beneficiados e regiões onde há maior contigente preto, como o Norte e Nordeste são preteridas; maior taxa de miomas uterinos em mulheres negras que se relacionam ao fato das altas taxas de discriminações sofridas por essas no ciclo gravídico-puerperal o que faz com que essas mulheres deixem de procurar o atendimento de saúde para o rastreio; maior taxa de metástase a partir de tumores de próstata entre homens negros, propiciados pelo acesso à saúde, onde homens brancos tem maior disponibilidade de serviço ao utilizar o setor privado enquanto os negros além da deficiência já existente em consultas médicas não tem o mesmo aporte financeiro para usufruir do sistema privado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A falta de estudos sobre a temática ainda está presente, principalmente estudos que considerem o racismo como um ponto determinante para a promoção da saúde, logo consideramos que esse artigo pode servir como incentivo para a produção de novos trabalhos acerca do câncer na população negra. Além disso, é importante que profissionais da saúde estejam sempre em contato com temas sociais e buscando conhecimentos sobre, para que esse ciclo de violência seja superado e a saúde seja integral e equitativa para todas as pessoas, independente de sua raça.

REFERÊNCIAS

Amorim VMSL, Barros MBA, César CLG, et al. Fatores associados à não realização do exame de Papanicolaou: um estudo de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2006;22(11): 2329-38. doi: http://dx.doi.org/10.1590/ S0102-311X2006001100007

Bairros FS, Meneghel SN, Dias-da-Costa JS, et al. Racial inequalities in access to women’s health care in southern Brazil. Cad Saude Publica. 2011;27(12):2364-72. doi: http://dx.doi.org/10.1590/ S0102-311X2011001200008

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

SANTOS PAULISTA, J.; GONÇALVES ASSUNÇÃO, P.; LOPES TAVARES DE LIMA, F. Acessibilidade da População Negra ao Cuidado Oncológico no Brasil: Revisão Integrativa. Revista Brasileira de Cancerologia, [S. l.], v. 65, n. 4, p. e–06453, 2020. DOI: 10.32635/2176-9745.RBC.2019v65n4.453. Disponível em: https://rbc.inca.gov.br/index.php/revista/article/view/453. Acesso em: 22 mar. 2022.

Souza ABC, Guedes HG, Oliveira VCB, et al. High incidence of prostate cancer metastasis in Afro-Brazilian men with low educational levels: a retrospective observational study. BMC Public Health. 2013;13:537. doi: https://doi.org/10.1186/1471-2458-13-537


AUTORES


Cléssia Regina Santana da Encarnação, acadêmica do 6°semestre, presidente da LAON.


Davi Monteiro Santos, acadêmico do 3º Semestre, diretor de pesquisa da LAON.

Revisores:

Lanna Barbosa
Vanessa Pires

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